sábado, 2 de março de 2013

Descartes e a negação dos sentimentos


Descartes já dizia que somos uma coisa que pensa. Enquanto seres pensantes, podemos excluir nosso corpo e nossos sentidos. Podemos também excluir nossos sentimentos? Segundo ele, aquilo que sentimos nada mais é do que uma das faculdades da razão. Razão essa que está implicada em nossa existência enquanto seres pensantes. Mas, ainda somos humanos? E o que sentimos não é real ou verdadeiro? Será que tudo está dentro de nosso espírito racional, sendo tudo puramente abstrato? Enquanto pensamos, não sentimos? Ou sentimos porque pensamos? Dúvidas de uma eterna pensante que sou.

Me parece estranho dizer que somos uma coisa que pensa e que somente pelo pensamento alcançamos os sentimentos. Minha leitura a respeito de Descartes pode estar equivocada, porém, não consigo aceitar que essas afirmações estejam corretas de forma indubitável.

Ao meu ver, o que nos humaniza enquanto seres não é nossa capacidade da razão, mas sim a capacidade que temos em sentir. Sentir, ir além dos sentidos, do corpo, da natureza humana que tem um corpo. Não somos um corpo, concordando com Descartes, mas igualmente não somos apenas razão, alma, espírito, uma coisa pensante. Há algo que vai mais além em nossa humanidade e, contrariando Descartes, esse algo não é Deus.

Esse algo a que me refiro é alguma coisa da qual não podemos explicar. É como uma força que nos permite sentir, transcender o nosso corpo, mas também a nossa mente. Como explicar a intuição? Como explicar os sentimentos como o amor, o ódio, a repulsa, a amizade, o carinho? Sentimentos esses que não são meramente corpóreos, que estão presentes em nós, mas não pela razão. É mais, é além. Existe algo que nos faz ir além de nossos atos, além de nossos sentidos, além de nossa razão. Existe algo que está dentro de nós, mas que não faz parte de nosso corpo, nem de nosso espírito, mas que nos humaniza.

Habitam dentro de nós sentimentos que são incontroláveis, justamente por não passarem pelo crivo da racionalidade. Sentimentos esses despertados por situações adversas que podem reagir dentro de cada ser de maneira positiva ou negativa. Algumas pessoas que se entregam a estes sentimentos, as paixões que são despertadas em sua alma, pessoas românticas, que vivem toda a intensidade dos seus sentimentos, sem barreiras e sem medos. Outras, cautelosas, tentam ignorar ou controlar cada movimento e cada sensação, pois não suportam a ideia de perder o controle de si mesmas, muitas vezes, justificando e racionalizando seus próprios sentimentos.

Descartes certamente não teve um grande amor. Provavelmente dedicou-se aos seus pensamentos filosóficos que não fez o que havia de mais importante: viver.

Longe de mim aqui querer julgar ou, até mesmo, apontar e criticar a maneira como cada indivíduo reage as mais diversas situações e sentimentos. Porém, parece haver uma necessidade de proteção dos sentimentos, de congelamento daquilo que pode ser sentido e vivenciado com certa intensidade de emoções. Neste sentido, Descartes poderia se encaixar como uma luva na justificação para estes indivíduos. Entretanto, quais os ganhos de tamanha proteção de si mesmo?

Admito que não controlar aquilo que sentimos nos tira de nossa zona de conforto. Admito também que por muito tempo vivi trancada dentro de meu próprio ser, congelando qualquer manifestação mínima de emotividade que pudesse me desestabilizar e não controlar aquilo que sinto e penso. Felizmente consigo perceber que essa fase passou.

Não há motivos para a busca constante de felicidade e para evitar ao máximo a frustração. Qualquer pessoa que tenha contato com uma criança sabe que é importante que ela ouça “não” e que não ganhe tudo aquilo que deseja. Se somos criados dessa forma, por que ao nos tornarmos adultos não conseguimos mais lidar com a rejeição e com os “nãos” que vamos levando pela vida? Seria esse o motivo pelo qual tentamos negar aquilo que sentimos?

O fato é que não há como viver isento de emoções. Descartes coloca nossos sentimentos e nossos sentidos no mesmo patamar, como sendo parte de nossa racionalidade. Em relação aos sentidos até concordo, com certas restrições e críticas que não cabem apontamentos por hora. Mas, com relação aos sentimentos, ainda creio que são estes que nos humanizam, que nos diferenciam dos outros animais. Não sou contra a racionalização dos sentimentos, mas sim contra a negação deles.

Não controlar é sentir. E sentir é viver.


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