terça-feira, 1 de novembro de 2016

Sobre ser feminista e os feminismos por aí

Criei este blog em 2011. Atualmente tenho um pouco mais de 50 textos publicados. Ao reler alguns deles é possível perceber as mudanças na forma como escrevo, o rebuscamento dos argumentos, o amadurecimento de algumas ideias, o abandono de outras e também minha crescente indignação. Eu tenho um posicionamento político, social e filosófico bem claro. Minha intensão neste espaço e na vida é discutir ideias, pensar conceitos, criar novas soluções, pensar fora da caixa. E foi neste processo de pensar fora da caixa que me percebi como mulher, como ser pensante, como cidadã, como alguém capaz de propor mudanças e, porque não, participar dessas mudanças. Neste processo, me percebi feminista, me percebi lutadora, me percebi munida de um discurso que precisa ser ouvido, discutido, pensado, teorizado e reverberado. Neste processo, percebi também a velha máxima do "falar é fácil", por isso, resolvi fazer.

O problema de quando nos assumimos X e não Y, é que tanto X quanto Y, quanto Z e todo o alfabeto, vem carregado de conceitos, pré-conceitos, preconceitos, normas, regras e ignorância. Ignorância aqui no sentido do desconhecimento, do não-saber. Não se ofendam, não é pessoal. Mas o esforço que pretendo aqui e que devemos empreender é no sentido de desconstruir a polaridade de X e Y e começar a olhar para o mundo como X, Y, Z, H, 27, 42C e toda multiplicidade e pluralidade humana, que não será jamais contemplada em categorias binárias. Dizer que sou feminista, por exemplo, é apenas um norte para que o outro (com o qual me comunico e que não sabe o que se passa na minha cabeça) entender como me posiciono e me manifesto no mundo. É para que o outro (que está fora de mim) saiba que eu compreendo as relações de uma forma tal e não de outra.

E se colocar hoje no mundo como feminista é muito difícil. Acredito que muitas mulheres têm receio de se posicionarem no mundo desta forma, pois compreendem o desafio que está embutido aí. E eu entendo. Isso já aconteceu comigo. É preciso uma força muito grande dentro de si para se colocar enquanto feminista no mundo, para enfrentar as desigualdades e injustiças que entranham nossa sociedade patriarcal, machista e sexista. É preciso mais força ainda para, de fato, fazer alguma coisa e enfrentar os preconceitos que envolvem o feminismo e suas lutas. Diante disso, me sinto compelida a compartilhar alguns entendimentos acerca de ser feminista.

Primeiramente, ser feminista é, em seu sentido mais básico, ter a capacidade de perceber que no mundo existem diferenciações sociais, políticas e econômicas entre homens e mulheres e aceitar isso como uma verdade. Assim, tanto homens quanto mulheres têm essa capacidade e podem aceitar o feminismo e os enfrentamentos decorrentes disso.

Em segundo lugar, ser feminista não é ser petista, não é ser de esquerda, não é ser de um partido político, não é ser anarquista, nem radical. Acrescento também que ser feminista não é ser lésbica, não é ser mulher das cavernas, não é ser extremista, não é queimar sutiã em praça pública, não é ser contra depilação ou maquiagem, não é deixar de tomar banho, não é ser contra os homens, não é ser heterofóbica, nem nada disso. Existem pessoas radicais dentro do movimento feminista? Sim, existem. Assim como existem radicalismos em todos os movimentos sociais, partidos políticos, em todos os lugares, até na reunião de condomínio, não é mesmo?

Terceiro, o feminismo tem diversas correntes teóricas, desdobra-se em diferentes movimentos, cada qual abarcando uma luta diferente, sob determinada ótica. Dentro do pensamento feminista existem discordâncias, existem posicionamentos diversos relativos as mesmas questões. Existe uma vasta literatura feminista, muitas pensadoras e obras a serem lidas, pensadas, discutidas. Feminismo, além de movimento social, é também teoria e produção de conhecimento. Não esqueça disso!

Afinal de contas, o que é ser feminista então?

Num sentido geral, é tecer um olhar sobre o mundo se questionando sobre as bases das relações homem-mulher. É perceber que, até mesmo nossas pequenas atitudes e as atitudes cotidianas, são moldadas para servir à manutenção do machismo em nossa sociedade, mesmo que não aparentem e que não nos demos conta disso. É indagar-se sobre quais oportunidades nos foram suprimidas apenas pelo fato de sermos mulheres. É perceber que somos mais que um corpo biológico e crer que este corpo, que possui um sexo, não deve determinar aquilo que somos, nem o que queremos ser. É separar gênero de sexualidade. É compreender que igualdade, equidade e justiça não são as mesmas coisas. É lutar, diariamente, cotidianamente. 

No entanto, cada mulher assume seu feminismo de uma forma particular. Como já disse, existem sim as correntes radicais. Mas também existem as mulheres oprimidas, que não tem voz nem vez. E é para estas que devemos direcionar nossas práticas e discursos. Pois, se tomarmos o machismo como uma opressão fundamental, como fez Beauvoir por exemplo, se posicionar como feminista em um mundo machista e sexista como este que vivemos, é uma atitude revolucionária. E tudo aquilo que é revolucionário desestabiliza e amedronta. Mas, é preciso persistir.

Abordar questões sobre gênero nunca é fácil. Na verdade, está cada vez mais difícil. Mas é extremamente necessário e urgente! Sugiro a todos (homens e mulheres) que leiam "Sejamos todos feministas", da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que de uma forma bem humorada trata sobre os desafios de ser feminista atualmente. É um livro curto, mas contundente. (E barato também!) Ali, a autora deixa claro que ser feminista não é ser contra maquiagem, depilação, ou ficar em casa cuidando dos filhos. Que mulheres feministas gostam de se cuidar, de trabalhar, de ganhar dinheiro. Que mulheres feministas, na verdade, podem fazer aquilo que elas quiserem e ninguém tem nada a ver com isso. Que mulheres feministas assustam pelo seu empoderamento e firmeza, mas que também são frágeis e precisam de afeto. Principalmente, Chimamanda aponta para a existência de algo que ainda não foi superado em termos socioculturais. Algo que está na constituição do indivíduo enquanto sujeito. Algo que se dá nas relações. Algo mais basilar e fundamental, que rege e configura as relações humanas. A leitura vale a pena!

Voltando à máxima do "falar é fácil", acredito que fazer algo, apesar de difícil, não é impossível. Se você olhar a sua volta e começar a se questionar sobre seu lugar no mundo e admitir que existe sim machismo, diferenciações de gênero e sexismo, já é um começo. Se você parar de naturalizar que meninas devem brincar de boneca e meninos jogar bola, como se fosse uma obrigação ou um determinismo, já foram duas coisas. E assim por diante. Meu papel aqui, através da filosofia, é questionar e provocar questionamentos. Meu trabalho é com discursos, conceitos e problemáticas. Mas também é de atitude e enfrentamento. Principalmente, deixar claro que não estamos sozinhas nessa. E, sobretudo, como já escrevi em algum outro texto, afirmar que esta luta está apenas começando, que não nos calaremos. 

Empoderem-se, mulheres!



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