segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A mulher-diabo e o homem-virtuoso

A Idade Média nos presenteou com a rejeição do corpo. Aquilo que antes era parte da integralidade do homem, passou a ser objeto de pecado, de ocultação, objeto de negação, de depósito de castigos, proibições, punições. O corpo era objeto de desejo e pecado. E o corpo da mulher, duplamente pecaminoso, foi demonizado, culpabilizado, exorcizado, punido, suplicado, queimado, enforcado, mutilado, muitas vezes escondido da barbárie e do desejo incontroláveis. A mulher desde então carrega o fardo do pecado, seu corpo é símbolo da volúpia desmedida, é o demônio que tenta o homem virtuoso, devoto, cristão. "O diabo é mulher e cheira como a rosa" cantam Papas da Língua.

Ora, pensa o homem-virtuoso, sendo esta mulher o próprio demônio que vem me tentar, por que eu permitirei que ela trabalhe aqui na minha empresa? Já não me basta eu ter que tolerá-la em minha casa, agora terei que aturar ela em meu trabalho também? E este homem-bondoso-virtuoso acabou permitindo, após um tempo, que esta mulher trabalhasse. E lá se foi a mulher-diabo trabalhar e provocar o homem-virtuoso.

Aconteceu que, em alguns lugares, a mulher-diabo executava seu trabalho melhor que o homem-virtuoso. E agora? Ela vai ser minha chefe, é isso? E o homem-virtuoso passou a competir com a mulher-diabo no mercado de trabalho. E pouco a pouco, a mulher-diabo foi infiltrando-se nos mais diferentes nichos ocupados pelos homens-virtuosos, inclusive na política. E a gota d'água, o ultraje maior, iniciou quando as mulheres-diabos começaram a construir mudanças sociais e políticas, mudanças de educação, de políticas públicas, de saúde, conquistas de direitos; quando começaram a assumir papéis importantes no governo e na economia. Ora, veja, chegaram à presidência da República, que isso? Isso não vai parar?, indaga-se desolado o homem-virtuoso.

E a mulher-diabo sorri alegremente. Ainda há muito por vir. Estamos apenas começando.