terça-feira, 10 de maio de 2016

Bela, recatada e do lar: um manifesto

Demorei um tempo para finalizar esse texto. Pensei e refleti muito, pois ainda hoje acontecem coisas que me deixam embasbacada quando falamos sobre as mulheres. Quando falamos no lugar social que nós mulheres queremos ocupar e o quanto isso reverbera em nossa sociedade. Pois (sim) nós mulheres ocupamos e continuaremos a ocupar lugares sociais, não ficaremos apenas em casa sendo belas, recatadas e "do lar". Nada contra, mas queremos mais.

Esse manifesto é essencialmente dirigido às mulheres. A todas que, assim como eu, manifestaram-se nas redes sociais contra tudo aquilo que representa hoje ser "bela", "recatada" e "do lar". Mas, principalmente, a todas aquelas mulheres que não tem voz, que não tem vez, que são belas, recatadas e do lar por ser essa a única realidade que elas conhecem. Ou porque não conseguem romper com esse modelo, ou tem medo, etc. 

E, afinal, o que representa hoje ser "bela, recatada e do lar"? É ruim ser assim? Primeiramente, já deixo bem claro que não há nada de errado em ser bela, recatada e do lar. Se (e somente se) isso for uma opção da mulher. Cada uma deve ser aquilo que quiser e quem não sabe o que quer, que tenha a liberdade de descobrir. E se não quiser ser nada, tudo bem também. Porém, o significado de ser "bela, recatada e do lar" no contexto da revista Veja, é muito profundo e profere um modelo de sociedade. Remete ao modelo patriarcal de sociedade em que o homem é o provedor da família enquanto a mulher cuida da casa e dos filhos, recatada e resignada em sua posição inferior, sem direito a desejos e vontades, mantendo sua beleza para que o marido possa lhe usar. Uma mulher que tem valor, que é para casar, que faz um homem ser um homem de sorte.

Essa definição lhe parece estranha? Muito antiga? Todo mundo já falou sobre isso, e daí? Bom, eu moro em uma capital de um dos Estados considerado mais politizados de nosso imenso país. Se eu olhar com cuidado para minha cidade, para minha vizinhança, para minha família, consigo ver presente esse modelo de mulher "bela, recatada e do lar", arcaico, patriarcal, que aprisiona suas mulheres em casa no cuidado dos filhos e dos afazeres domésticos. Modelo esse defendido e mantido por mulheres e homens, passando de geração para geração. Modelo esse que, aos poucos, vamos rompendo, trazendo novas possibilidades, novas vontades, novos caminhos. Modelo esse muito presente em lugares onde a informação e a política ainda caminham a passos lentos e pequenos, lugares onde ainda há um patriarcado muito forte, lugares que não enxergamos pois não estão no facebook ou no instagram. Lugares onde as mulheres não se manifestam pois isso não faz sentido na vida delas, pois elas estão bem casadas, em suas casas, cuidando de seus filhos enquanto seus maridos trabalham e frequentam bordéis (sim, gente, isso acontece!). Lugares esses que elegem deputados que, ao votar sobre o impeachment de nossa presidente, clamam pela família e por Deus, pela moral, pela ética e pelos bons costumes. 

Pensar a política em nosso país, ser contra ou a favor do impeachment, mais do que uma questão puramente política e econômica, é também uma questão social, pois todo o projeto político de governo traz consigo um modelo de sociedade para a qual se vai governar. Para mim, está bem claro. Naquele domingo, votou-se a favor do impeachment de uma presidente mulher, a primeira de nosso país (e isso é importante sim!), que militou contra a ditadura militar, que foi presa e torturada, que teve seus direitos políticos cassados e que sobreviveu a tudo isso. Na segunda-feira, após aprovação do impeachment, somos apresentados ao modelo de família brasileira ideal e perfeita, onde os homens mandam e as mulheres obedecem. Onde os homens governam, enquanto as mulheres lavam a louça e depilam suas pernas. Onde mulher boa, é mulher "do lar". E isso basta.

Nesses termos, você pode até achar que é exagero de minha parte, mas acredito que se pensarmos a base social de nosso país, chegaremos a este modelo ideal de família. Veremos com clareza, que existem muito mais Bolsonaros por aí do que imaginamos. Perceberemos que não é impossível (talvez nem difícil) o retorno dos valores tradicionais como ideal de sociedade brasileira. 

Não tenho nada contra mulheres que não trabalham e ficam em casa cuidando de seus filhos e dos afazeres domésticos, enquanto seus maridos trabalham. Acredito que este é apenas um dos diversos modos de se constituir uma família. Este é apenas um dos diversos modos de se viver em nossa sociedade. Acredito que todas as mulheres são belas, que apenas algumas são recatadas e que ser "do lar" deva ser uma opção e não a única. Acredito que mulheres que trabalham têm valor, que mulheres que não tem filhos têm valor, que mulheres que gostam de mulheres têm valor e que cada mulher decide o que é melhor para o seu corpo. Que as mulheres de todos os nossos "brasis" sejam representadas, ouvidas e, acima de tudo, respeitadas. Seja de shortinho ou de vestido abaixo do joelho, seja vadia ou recatada, seja trabalhando ou ficando em casa. Que ecoem e reverberem os nossos gritos. Que não nos calemos. Ainda há muito caminho para caminhar.