terça-feira, 28 de junho de 2011

O frio não existe

Lembro quando estava no colégio meu professor falava que “o frio não existe, meus caros, o que existe é ausência de calor”. Lembro também de pessoas que dizem que o frio é psicológico. Pois bem, cá estou aqui me perguntando “será mesmo?”

O fato do frio não existir como condição física e sim a falta de calor pode ser uma explicação plausível para os físicos, químicos e demais que se bastam com explicações meramente mecânicas do corpo e do meio; a origem do frio ser psicológica acredito que dependa do estado mental daquele indivíduo que em graus pouco elevados de temperatura não sente o frio da mesma forma que a média dos demais habitantes do planeta, ou talvez seja somente uma questão de hábito, de se acostumar ao frio e não senti-lo mais, ou com tanta intensidade. Todas essas explicações não me deixam satisfeita, pois o inverno em Porto Alegre este ano está sendo bastante rigoroso, e ainda estamos no mês de junho. Eu sinto frio e esta sensação não me agrada nem um pouco.

Conheço pessoas que adoram o inverno, mas eu, particularmente odeio. As pessoas se apegam a detalhes que são construídos socialmente com o frio, dando ao inverno – para mim a pior estação do ano – um ar romântico e por vezes bucólico. Me dizem: no inverno as pessoas ficam mais bonitas, pois se vestem melhor, tomamos vinho, chimarrão, comemos pinhão. E tem a velha frase “Nada melhor que dormir agarradinho nesse frio” e blá-blá-blá-wiskas-sachê, “com esse frio, ficamos mais unidos para transmitirmos calor humano”. Ah! A velha hipocrisia humana.

Pessoas estas se omitem de coisas que minha natureza não consegue calar. Com o frio, diversas pessoas passam frio, pois o sentem. Pessoas que moram em condições subumanas sentem o frio na pele e todas as conseqüências adicionais que geram em suas vidas, elas recebem o pacote completo do inverno. Hospitais ficam lotados por doenças e inflamações decorrentes do frio, crianças com problemas respiratórios que todos os anos retornam as emergências hospitalares em busca de cuidados, idosos que não conseguem muitas vezes sair da cama pela má circulação de sangue devido ao frio. Moradores de rua que lotam os abrigos em busca de um lugar para poderem dormir em segurança e longe do vento, da chuva e do frio cortante.

Muitos vão rebater esses argumentos dizendo que a culpa é do governo por não cuidar dos pobres e que os moradores de rua são viciados e bêbados e mais uma enxurrada de blá-blá-blá-wiskas-sachê. Concordo que os órgãos públicos devem olhar para essas pessoas de forma especial no inverno, mas não fazem. Quanto aos moradores de rua, é um ciclo vicioso. Moram na rua, no frio, e para espantar o frio bebem ou se drogam, fortalecendo cada vez mais seu vício, neste sentido, não vão para abrigos, pois lá não podem consumir álcool nem drogas, então, continuam na rua.

Não se vê ainda no Brasil os vícios como questão de saúde pública, quando na verdade são. No Brasil não se leva a sério questões realmente importante: viciados e alcoólatras são seres humanos e como tais devem ser vistos por todos como seres humanos e não somente taxados como isso ou aquilo. Me parece que uma pessoa perde seu valor humano quando entra para um grupo que já está posto como marginalizado em nossa sociedade. Existe um véu que dificulta enxergamos que aquele cara que está debaixo da ponte com sua garrafa na mão, dormindo em um papelão é na verdade tão humano quanto eu, o que nos diferencia é que ele perdeu sua dignidade por conta de suas condições de sobrevivência.

Para os demais, na verdade o inverno é realmente muito bom, com seus vinhos, casas quentes, aconchegos e cobertores de orelha. O frio deve ser mesmo psicológico ou apenas falta de calor, eu que não me adaptei ainda ao blá-blá-blá-wiskas-sachê.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O mundo das idéias

Platão era um grego, discípulo de Sócrates, que colocou problemas até hoje discutidos na filosofia. Viajou muito, teve contato com diferentes linhas filosóficas que influenciaram seu pensamento e que estão presentes ao longo de sua obra. Mas até aqui, nada de novo. Essas informações você com certeza encontrará no Google.

O que mais me chama a atenção no pensamento de Platão, e venho me dedicando ultimamente a isso, é o que chama-se mundo das ideias. Para Platão existe o mundo físico, material, este que nós vivemos, e o mundo real, o mundo das ideias. Este mundo no qual vivemos é apenas uma cópia do mundo intelectual (das ideias), ou seja, vivemos uma representação do real, pois o perfeito não está aqui. Tudo o que está no mundo é falso, as coisas materiais são reflexos das ideias, pois são somente elas que, de fato, existem. Estabelecemos aqui então, que existem dois mundos: o físico e o ideal.

O mundo físico é composto por coisas materiais, coisas que são perceptíveis aos nossos sentidos. Segundo Platão, nossos sentidos não nos levam ao conhecimento verdadeiro, pois eles são enganadores, nos dão a sensação de realidade, que na verdade não existe. O corpo é limitado, é sensitivo. Não é através deste nosso corpo que chegaremos à verdade.

O mundo das ideias, ou mundo ideal, ou mundo inteligível é o mundo perfeito, real. É nele que se encontram as almas e a realidade de fato. Neste ponto, percebemos que Platão coloca o dualismo corpo-alma. Existe um corpo e existe uma alma. A alma habita o corpo no mundo físico e esta alma é livre no mundo inteligível.

Esse mundo das ideias existe. Neste mundo as almas contemplam o real, o belo e o verdadeiro. Mas então pra quê vivemos em corpo? Para Platão, como já disse anteriormente, as almas habitam os corpos para que cumpram um castigo e depois retornem ao mundo ideal, pois segundo ele, as almas são eternas e imortais. Quando caem no mundo físico, ou seja, encarnam, elas esquecem do mundo das ideias, da realidade verdadeira. O filósofo então tem o ofício de fazer com que essa alma, encarnada em corpo, relembre o seu mundo ideal e viva da melhor forma, esperando a morte para que possa retornar ao mundo verdadeiro.

Não pense que Platão está dizendo que a vida de nada vale, visto que este mundo é falso e que o corpo é um cárcere, essas coisas. Na verdade, é mais profundo que isso. Ele está dizendo que existe algo melhor do que este mundo que vivemos e que estamos habitando esses corpos apenas temporariamente. O corpo é uma passagem, a alma é eterna.

Diante disso, eu, enquanto pessoa que habito um corpo, que penso, estudo e pretendo ser melhor amanhã do que sou hoje, descubro que um carinha lá há milhões de séculos antes de Cristo me diz que existe algo melhor depois da morte, uma coisa meio espírita e bem cristã para os dias de hoje me pergunto: Qual o sentido da vida?

Para Platão o sentido da vida é o exercício filosófico, que faz com que o homem se liberte das sensações produzidas pelo corpo através dos sentidos, visando uma vida mais plena, aproximando-se das verdades que somente o intelecto pode oferecer. Mas e para mim, eu essa pessoa de carne e osso que acredito nessa realidade que me cerca, qual o sentido da vida?

Sem tirar os créditos de Platão, tenho que discordar dele. É muito cômodo pensar que existe uma “vida depois da morte”, ou então que não seja vida, mas que seja alguma existência. Se isso for verdade, a vida não tem sentido para mim. Sou e espero sempre ser uma pessoa mutante. Acredito que as coisas estão em constante fluxo e mudando a todo o momento. Acredito que nossa capacidade intelectual nos permite ir sempre além a cada instante e que mudar é sempre algo positivo. Vejo a mudança como um acréscimo. A cada mudança, uma gota dentro do copo.

Não me permito o dogmatismo e me entrego às mudanças. Acredito nas sensações, mas também me dedico ao intelecto. Se vivermos esperando o amanhã, o que então será do hoje? A nossa existência é agora, e não o mundo das ideias, da realidade verdadeira que iremos conhecer quando nos libertarmos desse corpo que nos prende. A realidade que vivo, que presencio, é verdadeira. Pode ser que não seja a verdade plena como a de Platão, mas também de que serve ter a verdade absoluta das coisas se é muito melhor entregar-se a doce loucura de viver a cada dia?

terça-feira, 14 de junho de 2011

Filosoficamente

O homem é um ser dotado de cultura. Quando nasce já está inserido em um contexto cultural e normativo que vai moldando seu comportamento, através das normas culturais. Este homem cresce acreditando que essas normas, já internalizadas, são de fato a verdade sobre o seu mundo, sem fazer a si mesmo maiores questionamentos. Assume diante do mundo uma postura dogmática.

Em algum momento de sua vida esse homem inicia um processo de questionamentos sobre aquele mundo. Ele busca algo mais que lhe é oferecido, mas acaba deparando-se com uma série de reflexões que estão muito além do seu intelecto, questões nas quais sua cultura não dá conta de responder. Ele rompe com sua postura dogmática e percebe-se ignorante, pois o mundo que para ele foi posto é na verdade uma representação de mundo, construída social e culturalmente.

O homem, percebendo-se ignorante, não pode mais assumir novamente seu comportamento dogmático e experiencia a negação daquilo que lhe é posto como verdade. Porém, todas essas “verdades” nada mais são do que normas em que não há uma reflexão, nem uma postura crítica acerca desse mundo.

Assumindo, então, um comportamento reflexivo, característico da postura filosófica, este homem inicia uma série de apontamentos, nos mais diferentes níveis como uma maneira de buscar uma explicação plausível sobre essa natureza do mundo. As representações não fazem mais sentido e, diante disso, o homem afirma-se no mundo através de uma postura intelectual ativa, questionando-se sobre o ser, o conhecer e o saber, não mais vivendo no dogmatismo e sim colocando-se filosoficamente no mundo.