quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

2016 ainda não acabou

Dia desses apareceu um vídeo de retrospectiva do ano no meu facebook. Assisti. Pude constatar que este ano foi, e continua sendo, um ano marcado por lutas. Lutamos um ano todo e, me parece, que fomos vencidos pelo cansaço.

Assistimos o golpe travestido de impeachment e estamos sofrendo as consequências da maior cagada do Congresso Nacional. Estamos assistindo o desmonte do nosso Estado, a extinção de diversas fundações, a demissão em massa de servidores. Estamos assistindo os embates de transição de governo na prefeitura. Estamos assistindo uma reforma da previdência sem a anuência da população brasileira que será diretamente atingida. Estamos assistindo uma reforma do ensino médio que não irá melhorar os problemas educacionais de nosso país. Estamos assistindo o congelamento de investimentos em saúde e educação. Estamos assistindo nossos políticos envolvidos no maior escândalo de corrupção e roubalheira em nosso país. Estamos assistindo o crescimento da pobreza e do desemprego. Estamos assistindo a intolerância e a crescente violência. E 2016 ainda não acabou.

O Congresso Nacional deu o tom: não descansaram até tirar Dilma. O mais incrível de toda essa história é que Temer conseguiu se desvincular dela, como se fosse outra coisa que não seu vice, como se ele não tivesse feito parte da coligação eleita, com propostas e diretrizes de governo que elegeram ambos. E não para por aí. Depois do golpe, o presidente não se constrangeu nem um pouco em nos mandar trabalhar e não falar de crise ou ir para o exterior e falar abertamente que foi golpe mesmo! Além disso, não se importou muito com a opinião pública e meteu pressão para a aprovação de medidas econômicas que, além de favorecer aos empresários, tornará a vida dos brasileiros miserável. E não será a longo prazo, é logo ali, é aqui e agora. E ainda, deixa correr a bicho solto as ações do Congresso, legitimando um tipo de política que há tempos não se via no país, onde o interesse privado prevalece sobre o público. Penso que o mais ético nesse caso, já que nosso país está tão turbulento, seria antecipar as eleições de 2018 e deixar que o povo, que deveria (em tese) ser soberano em uma democracia, tivesse a oportunidade de novamente eleger um/a presidente. No entanto, estou aprendendo que ética é uma coisa presente apenas em livros e aulas de filosofia. Na prática, ser ético é um defeito, geralmente associado a xingamentos dos mais diversos. Pena!

Enquanto isso, nosso Estado é desmontado. Os gaúchos elegeram um governador que não apresentou propostas durante a campanha. Com um sorriso largo e cara de gringo bonachão, as pessoas acreditaram mesmo que ele faria um bom governo, que estabilizaria a economia do Estado. Mas, na prática, o gringo se mostrou mais perdido que cusco em tiroteio, provando ser um mau administrador da máquina pública, parcelando salários, extinguindo fundações e autarquias, presenteando diversas famílias com desemprego e desolação neste final de ano. Acredito que esta é apenas uma das milhares de possibilidades e atitudes de enfrentamento à crise. Não creio que esta tenha sido a melhor atitude, nem a mais correta. Com certeza, é a atitude mais sofrível para os trabalhadores, que estudaram muito para conseguir aprovação em um concurso público, que passaram pela ansiedade da nomeação e conseguiram atingir seu objetivo. A crise foi desculpa pra boi dormir, pois provavelmente a extinção das fundações já estava na pauta do governo. Se não houvesse crise, haveria outra desculpa. Ou se criaria uma, estilo "1984" de Orwell.

Por fim, temos PSDB a frente da prefeitura pelos próximos 4 anos. Um governo que já se chega de maneira tensa com o servidor, mostrando que não estará disposto a dialogar. Um governo que promete o novo, buscando modelos de governos já falidos em outras cidades e estados. Um governo que não tem pressa em anunciar à população quem será seu secretariado e como será sua gestão. Um governo que acusa de racista quem pergunta cadê os negros e as mulheres da gestão. Um governo que está sendo construído por homens, brancos, acadêmicos, ricos, todos top top top da balada, e com alto nível de formação (que, diga-se de passagem, é acessível a menos de 10% da população brasileira). 

Assim chegamos ao final desse ano sem fim cansados, exaustos, esgotados. Tinha enchido meus pulmões com ares de esperança para 2017, mas já o perdi. Se desenha um próximo ano difícil, truculento e com muitas lutas. Espero que, ao invés de assistir, que os brasileiros possam levantar a bundinha e ir pra rua, ainda que sem a camiseta da CBF. Pois, sinceramente, pode ficar bem pior.



Boas festas!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Vamos falar [de novo] sobre o aborto?

Nos últimos dias tivemos um grande avanço na questão do aborto, quando o STF descriminalizou um caso realizado com menos de 3 meses. Enquanto o assunto ainda é polêmica nacional, para aqueles que como eu defendem a liberdade de escolha da mulher, isso representa mais um passo para uma futura legalização do aborto. Destaco o incrível argumento utilizado pelo ministro Luís Roberto Barroso, que traz para a discussão um elemento fundamental para a análise deste cenário: a mulher! O ministro defende a autonomia da mulher, bem como sua integridade física e psíquica, incluindo na discussão os direitos sexuais da mulher e a igualdade de gênero. 

"Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não. (...) O direito à integridade psicofísica protege os indivíduos contra interferências indevidas e lesões aos seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher"¹, afirmou Barroso.

Diante deste cenário, creio que seja importante destacar alguns pontos relevantes:

1) Legalizar o aborto para quem?
A legalização do aborto se presta, principalmente, às mulheres pobres, marginalizadas, sem condições financeiras, que morrem todos os dias em decorrência de abortos mal feitos em clínicas clandestinas. Vivemos cegos para o que acontece dentro das vilas e favelas. Falamos em educação, quando muitas vezes as adolescentes pobres não sabem que podem pegar camisinha de graça no posto de saúde, por exemplo. Além disso, milhares de mulheres, independente da condição financeira, vivem relacionamentos abusivos. Não preciso lembrar que um relacionamento abusivo é também aquele onde a mulher não apanha, mas sofre violência psicológica e moral. Nestes relacionamentos abusivos, o não uso da camisinha representa o domínio do homem sobre a sua mulher. Então, imagine se essa mulher pedir para o companheiro usar a camisinha? Imagine ter um bebê nessas condições?

2) Legalizar o aborto é uma questão de saúde pública!
É uma triste realidade, mas todas conhecemos algum caso de amiga ou conhecida que tenha feito aborto. Todas conhecemos alguém que já fez um aborto clandestino! E isso é chocante! Ainda mais se pensarmos que essas mulheres poderiam ter morrido. Aliás, quantas morrem e não sabemos ou ficamos sabendo apenas por noticiários? Imagine se houvessem clínicas legalizadas, com vistoria e acompanhamento do Ministério da Saúde, ou que o próprio SUS pudesse realizar esse procedimento, com segurança e higiene? Pensando na saúde da mulher? 

3) Legalizar o aborto é colocar a mulher no centro da decisão:
Muitos argumentos contra o aborto colocam a vida do feto como principal fator para que não se realize um aborto. No entanto, um feto é, na verdade, uma potência de vida e não uma vida em si. Cabe lembrar que o sentido da vida é dado pelo meio, pelas trocas e pelas relações. Ou seja, uma mulher que quer abortar não tem ligação com esse feto, não deseja construir uma relação de cuidado e amor com ele. O amor entre mãe e bebê não é inato, é uma construção. Neste sentido, devemos pensar a vida que existe antes do feto: a mulher, a mãe, a gestante! É o corpo dela, a vida dela que está em jogo ali.

4) Quem vai cuidar dessa criança?
Não podemos tratar o aborto como uma questão rasa. Provavelmente essa mulher que está optando por um aborto está passando por um momento muito delicado e, quem sabe, até de desespero. Independente se ela sempre quis ser mãe ou não, a decisão do aborto, geralmente, é uma decisão radical. Geralmente aquela mulher pensa não apenas na vida que ela poderá gerar dentro de si, mas em que condições ela vai viver e criar essa criança. Devemos ter o cuidado de não achar que a forma como vivemos é a mais certa, nem crer que apenas as nossas escolhas estão corretas. Muitas mulheres passam fome, mal tem grana para se sustentar, são estupradas, violentadas e não tem acesso aos direitos mais básicos para viver com dignidade. Você teria um filho nessas condições?

5) Legalizar o aborto não quer dizer que vão aumentar os abortos realizados:
Assim como não quer dizer que todas as mulheres sairão correndo porta afora abortando. Quer dizer que todas teremos o direito de decidir sobre nossos corpos, sobre nossos desejos e sobre nossa vida! Que todas as mulheres que optarem por esse procedimento, que tenham segurança e que seja garantida a sua saúde. Saliento, mais uma vez, aborto é uma decisão radical, é uma violência ao corpo, mas uma decisão que deve ser respeitada. 


A saúde da mulher deve estar no topo, no centro da discussão. A vontade da mulher e a relação que ela estabelece com seu corpo deve ser respeitada. É contra o aborto? Não aborte! Mas que todas aquelas que desejam o fazer, que tenham o direito de decidir.

Isso sim é equidade :)



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¹http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/11/1836895-aborto-ate-o-terceiro-mes-nao-e-crime-decide-turma-do-supremo.shtml?cmpid=facefolha

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Sobre ser feminista e os feminismos por aí

Criei este blog em 2011. Atualmente tenho um pouco mais de 50 textos publicados. Ao reler alguns deles é possível perceber as mudanças na forma como escrevo, o rebuscamento dos argumentos, o amadurecimento de algumas ideias, o abandono de outras e também minha crescente indignação. Eu tenho um posicionamento político, social e filosófico bem claro. Minha intensão neste espaço e na vida é discutir ideias, pensar conceitos, criar novas soluções, pensar fora da caixa. E foi neste processo de pensar fora da caixa que me percebi como mulher, como ser pensante, como cidadã, como alguém capaz de propor mudanças e, porque não, participar dessas mudanças. Neste processo, me percebi feminista, me percebi lutadora, me percebi munida de um discurso que precisa ser ouvido, discutido, pensado, teorizado e reverberado. Neste processo, percebi também a velha máxima do "falar é fácil", por isso, resolvi fazer.

O problema de quando nos assumimos X e não Y, é que tanto X quanto Y, quanto Z e todo o alfabeto, vem carregado de conceitos, pré-conceitos, preconceitos, normas, regras e ignorância. Ignorância aqui no sentido do desconhecimento, do não-saber. Não se ofendam, não é pessoal. Mas o esforço que pretendo aqui e que devemos empreender é no sentido de desconstruir a polaridade de X e Y e começar a olhar para o mundo como X, Y, Z, H, 27, 42C e toda multiplicidade e pluralidade humana, que não será jamais contemplada em categorias binárias. Dizer que sou feminista, por exemplo, é apenas um norte para que o outro (com o qual me comunico e que não sabe o que se passa na minha cabeça) entender como me posiciono e me manifesto no mundo. É para que o outro (que está fora de mim) saiba que eu compreendo as relações de uma forma tal e não de outra.

E se colocar hoje no mundo como feminista é muito difícil. Acredito que muitas mulheres têm receio de se posicionarem no mundo desta forma, pois compreendem o desafio que está embutido aí. E eu entendo. Isso já aconteceu comigo. É preciso uma força muito grande dentro de si para se colocar enquanto feminista no mundo, para enfrentar as desigualdades e injustiças que entranham nossa sociedade patriarcal, machista e sexista. É preciso mais força ainda para, de fato, fazer alguma coisa e enfrentar os preconceitos que envolvem o feminismo e suas lutas. Diante disso, me sinto compelida a compartilhar alguns entendimentos acerca de ser feminista.

Primeiramente, ser feminista é, em seu sentido mais básico, ter a capacidade de perceber que no mundo existem diferenciações sociais, políticas e econômicas entre homens e mulheres e aceitar isso como uma verdade. Assim, tanto homens quanto mulheres têm essa capacidade e podem aceitar o feminismo e os enfrentamentos decorrentes disso.

Em segundo lugar, ser feminista não é ser petista, não é ser de esquerda, não é ser de um partido político, não é ser anarquista, nem radical. Acrescento também que ser feminista não é ser lésbica, não é ser mulher das cavernas, não é ser extremista, não é queimar sutiã em praça pública, não é ser contra depilação ou maquiagem, não é deixar de tomar banho, não é ser contra os homens, não é ser heterofóbica, nem nada disso. Existem pessoas radicais dentro do movimento feminista? Sim, existem. Assim como existem radicalismos em todos os movimentos sociais, partidos políticos, em todos os lugares, até na reunião de condomínio, não é mesmo?

Terceiro, o feminismo tem diversas correntes teóricas, desdobra-se em diferentes movimentos, cada qual abarcando uma luta diferente, sob determinada ótica. Dentro do pensamento feminista existem discordâncias, existem posicionamentos diversos relativos as mesmas questões. Existe uma vasta literatura feminista, muitas pensadoras e obras a serem lidas, pensadas, discutidas. Feminismo, além de movimento social, é também teoria e produção de conhecimento. Não esqueça disso!

Afinal de contas, o que é ser feminista então?

Num sentido geral, é tecer um olhar sobre o mundo se questionando sobre as bases das relações homem-mulher. É perceber que, até mesmo nossas pequenas atitudes e as atitudes cotidianas, são moldadas para servir à manutenção do machismo em nossa sociedade, mesmo que não aparentem e que não nos demos conta disso. É indagar-se sobre quais oportunidades nos foram suprimidas apenas pelo fato de sermos mulheres. É perceber que somos mais que um corpo biológico e crer que este corpo, que possui um sexo, não deve determinar aquilo que somos, nem o que queremos ser. É separar gênero de sexualidade. É compreender que igualdade, equidade e justiça não são as mesmas coisas. É lutar, diariamente, cotidianamente. 

No entanto, cada mulher assume seu feminismo de uma forma particular. Como já disse, existem sim as correntes radicais. Mas também existem as mulheres oprimidas, que não tem voz nem vez. E é para estas que devemos direcionar nossas práticas e discursos. Pois, se tomarmos o machismo como uma opressão fundamental, como fez Beauvoir por exemplo, se posicionar como feminista em um mundo machista e sexista como este que vivemos, é uma atitude revolucionária. E tudo aquilo que é revolucionário desestabiliza e amedronta. Mas, é preciso persistir.

Abordar questões sobre gênero nunca é fácil. Na verdade, está cada vez mais difícil. Mas é extremamente necessário e urgente! Sugiro a todos (homens e mulheres) que leiam "Sejamos todos feministas", da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que de uma forma bem humorada trata sobre os desafios de ser feminista atualmente. É um livro curto, mas contundente. (E barato também!) Ali, a autora deixa claro que ser feminista não é ser contra maquiagem, depilação, ou ficar em casa cuidando dos filhos. Que mulheres feministas gostam de se cuidar, de trabalhar, de ganhar dinheiro. Que mulheres feministas, na verdade, podem fazer aquilo que elas quiserem e ninguém tem nada a ver com isso. Que mulheres feministas assustam pelo seu empoderamento e firmeza, mas que também são frágeis e precisam de afeto. Principalmente, Chimamanda aponta para a existência de algo que ainda não foi superado em termos socioculturais. Algo que está na constituição do indivíduo enquanto sujeito. Algo que se dá nas relações. Algo mais basilar e fundamental, que rege e configura as relações humanas. A leitura vale a pena!

Voltando à máxima do "falar é fácil", acredito que fazer algo, apesar de difícil, não é impossível. Se você olhar a sua volta e começar a se questionar sobre seu lugar no mundo e admitir que existe sim machismo, diferenciações de gênero e sexismo, já é um começo. Se você parar de naturalizar que meninas devem brincar de boneca e meninos jogar bola, como se fosse uma obrigação ou um determinismo, já foram duas coisas. E assim por diante. Meu papel aqui, através da filosofia, é questionar e provocar questionamentos. Meu trabalho é com discursos, conceitos e problemáticas. Mas também é de atitude e enfrentamento. Principalmente, deixar claro que não estamos sozinhas nessa. E, sobretudo, como já escrevi em algum outro texto, afirmar que esta luta está apenas começando, que não nos calaremos. 

Empoderem-se, mulheres!



sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Carta de amor: uma reflexão sobre a autoimagem na infância

Minha querida irmãzinha,

Hoje eu li uma reportagem sobre meninas de 7 anos que já se sentem pressionadas a terem a aparência perfeita e fiquei muito triste, porque acredito que crianças não devem se preocupar com sua aparência. Crianças devem brincar, fazer amigos, ir para a escola, jogar bola, ler, ver filmes e desenhos, essas coisas. As crianças devem fazer coisas felizes, legais e divertidas, ao lado de pessoas que as amem e que elas amem também.

Fiquei pensando em nossa conversa de ontem durante a janta, em que tu estava preocupada com teu peso, por isso não poderia comer muito. Sei que sou chata quanto te digo quase todos os dias que o peso não importa, o que importa é estar saudável e feliz. Sei que sou insuportável muitas vezes com esse meu discurso. Mas tu já tem 11 anos, é inteligente, linda e perfeita, já entende muitas coisas e uma dessas coisas que pode compreender é que magreza não traz felicidade, minha irmã. 

Quando te perguntei ontem de onde tu tinha tirado essa ideia de que estava 2kg acima do teu "peso ideal", tu me respondeu que não sabia. De fato, acredito mesmo que não saiba. Acredito que muitas meninas também não sabem porque devem emagrecer se já são magras. Acredito que muitas meninas não sabem porque devem alisar os cabelos, quando seus cachos são lindos. Acredito que muitas meninas não sabem porque não podem jogar bola e se sujar na rua como os meninos, por exemplo. De verdade, eu acredito, por que de fato, tu e essas outras meninas não sabem de onde vem isso.

Existe em nossa sociedade um ideal de beleza, que muda de tempos em tempos. Esse ideal de beleza, minha irmã, é construído para que as pessoas, desde a sua infância, sejam moldadas e adequadas àquilo que é socialmente aceito. Mas isso, na verdade, é só uma das formas de controle sobre o corpo. Mesmo sem que tu perceba, teu cérebro recebe diversas informações durante o dia dizendo que para ser feliz e realizada tu tem que ser magra, de cabelos lisos e compridos, de bunda empinada, vestir uma determinada roupa, se maquiar, se depilar, entre outras coisas. Sinto te dizer, mas isso é uma grande mentira! As pessoas realmente realizadas e felizes são aquelas que conseguem não dar bola para isso e fazer aquilo que amam.

Logo estará de aniversário e muitas coisas vão mudar de verdade na tua vida. Afinal, como tu mesmo me diz, com 12 anos tu já é pré-adolescente! E essa é uma fase muito boa da vida, que não precisa ser vivida o tempo todo pensando no peso, na roupa, no cabelo, etc. Espero que tu consiga te ver da mesma forma que nós que te amamos te vemos: linda, divertida, simpática, inteligente, amável, carinhosa e com um cabelão-juba-de-leão lindo, de causar inveja! 

Tu é única! E te amo assim e te amarei do jeito que for!
Um beijo.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Empodere uma menina que ela mudará o mundo

Dia das Meninas, o que falar? O que propor de novo ao pensamento que ainda não foi dito, redito, repetido e entoado milhares de vezes por milhões de vozes? O debate sobre gênero enche o saco, compreendo. Mas é justamente por este motivo, de incomodar os acomodados, que ele se faz tão necessário. Em tempos de polarização, de exacerbação de valores tradicionais e condutas patriarcais, entendo o "Dia das Meninas" como um momento para pararmos e pensarmos como estamos cuidando de nossas meninas. 

O que ainda não se percebe em nossa sociedade, e isso é uma pena, é que as conquistas direcionadas à equalização entre homens e mulheres repercutem em toda a sociedade, para mulheres e homens. Uma sociedade que acomoda as funções dos seus indivíduos conforme seus talentos e aptidões e não conforme o gênero, certamente é uma sociedade melhor, pois vê o indivíduo nas suas potencialidades e não naquilo que lhe é externo. Se uma pessoa possui um talento para gestão de dados, por exemplo, não importa se é homem ou mulher. Da mesma forma para dar aulas, dirigir, lavar uma louça e ou cuidar dos filhos. Ao conseguirmos romper com a barreira sexista, poderemos deixar livres todos os indivíduos para realizarem aquilo que desejam, independente do seu gênero. Este é um desafio e tanto. Uma longa caminhada que apenas começamos a trilhar.

Por onde começar? Sugiro pela educação e pela saúde. Assim, por consequência, acredito que estaremos também educando e cuidando dos meninos. Pois hoje os homens não são educados para lidar com mulheres empoderadas, ao passo que há um empoderamento feminino crescente. Empoderamento é um movimento, é uma ação. Foucault já afirmava que o poder é um exercício, que se dá em uma relação. Empoderar é, neste sentido, uma conquista, que deve ser exercida no dia a dia, em todas as relações, desde pequenas, desde meninas.

"Empodere uma menina que ela mudará o mundo" (ONU Mulheres).


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A mulher-diabo e o homem-virtuoso

A Idade Média nos presenteou com a rejeição do corpo. Aquilo que antes era parte da integralidade do homem, passou a ser objeto de pecado, de ocultação, objeto de negação, de depósito de castigos, proibições, punições. O corpo era objeto de desejo e pecado. E o corpo da mulher, duplamente pecaminoso, foi demonizado, culpabilizado, exorcizado, punido, suplicado, queimado, enforcado, mutilado, muitas vezes escondido da barbárie e do desejo incontroláveis. A mulher desde então carrega o fardo do pecado, seu corpo é símbolo da volúpia desmedida, é o demônio que tenta o homem virtuoso, devoto, cristão. "O diabo é mulher e cheira como a rosa" cantam Papas da Língua.

Ora, pensa o homem-virtuoso, sendo esta mulher o próprio demônio que vem me tentar, por que eu permitirei que ela trabalhe aqui na minha empresa? Já não me basta eu ter que tolerá-la em minha casa, agora terei que aturar ela em meu trabalho também? E este homem-bondoso-virtuoso acabou permitindo, após um tempo, que esta mulher trabalhasse. E lá se foi a mulher-diabo trabalhar e provocar o homem-virtuoso.

Aconteceu que, em alguns lugares, a mulher-diabo executava seu trabalho melhor que o homem-virtuoso. E agora? Ela vai ser minha chefe, é isso? E o homem-virtuoso passou a competir com a mulher-diabo no mercado de trabalho. E pouco a pouco, a mulher-diabo foi infiltrando-se nos mais diferentes nichos ocupados pelos homens-virtuosos, inclusive na política. E a gota d'água, o ultraje maior, iniciou quando as mulheres-diabos começaram a construir mudanças sociais e políticas, mudanças de educação, de políticas públicas, de saúde, conquistas de direitos; quando começaram a assumir papéis importantes no governo e na economia. Ora, veja, chegaram à presidência da República, que isso? Isso não vai parar?, indaga-se desolado o homem-virtuoso.

E a mulher-diabo sorri alegremente. Ainda há muito por vir. Estamos apenas começando.



segunda-feira, 20 de junho de 2016

Nós e nossos corpos dóceis*

Quando li a notícia, fiquei chocada. Houve quem me perguntasse em qual país isso aconteceu. Embasbacada, respondi que a menina havia sido estuprada no Rio de Janeiro. O almoço seguiu silencioso. Reflexiva, percebi que a vida das mulheres não vale nada. Nada mesmo. Somos formigas sendo esmagadas em um país de machões. Somos chama que se apaga com o sopro da violência. Vivemos o reflexo de uma sociedade injusta e machista. E não sabemos até onde isso vai chegar.

Foucault aborda o conceito de ‘corpos dóceis’, que é quando o corpo passa a ser objeto e alvo de poder, um“corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam”¹. Através da manipulação daquele corpo, ele se torna dócil, podendo ser transformado e aperfeiçoado. O corpo torna-se um objeto social no qual estão impostas as limitações, as proibições e as obrigações. A disciplina sobre o corpo permite o controle minucioso das operações, promovendo a relação mecânica do poder.
Essa noção de ‘corpo dócil’ está enraizada em nossa sociedade. Seja na fabricação de modelos de beleza, seja para a produção de mão de obra eficiente. A disciplina sobre o corpo vem produzindo, ao longo das décadas, problemas sociais que hoje aprofundam-se com o discurso do ódio e a promoção da violência. A onda do “politicamente correto” acabou, dando espaço as mais diversas manifestações que, em nome da liberdade individual, convocam fiéis dos mais radicais e disseminam seu discurso hostil. Me parece que ser machista está na moda, ser racista está na moda, ser homofóbico está na moda, tudo isso aclamado e corroborado por Deus em defesa da família, da moral e dos bons costumes.

Mas isso não me parece certo.

Historicamente, as mulheres vêm sofrendo as consequências da disciplina sobre os corpos. O corpo da mulher representa um modelo de sociedade onde tudo aquilo que não se encaixa no modelo idealizado deve ser combatido ferrenhamente. Não é à toa que vivemos um momento no qual o discurso do ódio se alastra com a velocidade de um clique, um momento em que a violência toma conta das ruas e dos lares, um momento onde não há respeito sobre si, muito menos sobre o outro. Tempos sombrios de intolerância generalizada.
Nossos corpos devem ser submissos, devemos ser dóceis, boas esposas e mães zelosas. Devemos cuidar de nossa aparência, aceitar a violência caladas, de preferência, acostumar-nos a ela. Devemos trabalhar o dia todo e chegar em casa com disposição para cuidar dos filhos, da comida, da louça, das roupas, dos temas de casa, do banho, das contas, sem reclamar, sem irritação, sem cansar, sem desistir, pois isso tudo é normal e sempre foi assim. Devemos agradar nossos maridos, satisfazê-los sexualmente, sempre sexy sem ser vulgar, mas apenas entre quatro paredes, pois mulher tem que ser puta na cama e não na fama. Se apanhamos, a culpa é nossa; se somos demitidas, a culpa é nossa; se nossos filhos são ladrões, drogados ou traficantes, a culpa é nossa; se somos estupradas, a culpa é nossa; se somos mães solteiras, a culpa é nossa; se somos assassinadas, a culpa é nossa; de novo e de novo outra vez. Se somos estupradas diversas vezes por diferentes homens durante vários dias, a culpa certamente é nossa. Pois merecemos. Nós pedimos. A culpa é sempre nossa. E não somos vítimas. Apenas nos fazemos de coitadas.

Esse é o peso que nossos corpos dóceis devem suportar. Todos os dias. Até quando?


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Referências
¹FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões. Trad: Ligia M. Podeé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 125.

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*Este texto foi publicado originalmente em Frida Diria, em 10 de junho de 2016.



terça-feira, 10 de maio de 2016

Bela, recatada e do lar: um manifesto

Demorei um tempo para finalizar esse texto. Pensei e refleti muito, pois ainda hoje acontecem coisas que me deixam embasbacada quando falamos sobre as mulheres. Quando falamos no lugar social que nós mulheres queremos ocupar e o quanto isso reverbera em nossa sociedade. Pois (sim) nós mulheres ocupamos e continuaremos a ocupar lugares sociais, não ficaremos apenas em casa sendo belas, recatadas e "do lar". Nada contra, mas queremos mais.

Esse manifesto é essencialmente dirigido às mulheres. A todas que, assim como eu, manifestaram-se nas redes sociais contra tudo aquilo que representa hoje ser "bela", "recatada" e "do lar". Mas, principalmente, a todas aquelas mulheres que não tem voz, que não tem vez, que são belas, recatadas e do lar por ser essa a única realidade que elas conhecem. Ou porque não conseguem romper com esse modelo, ou tem medo, etc. 

E, afinal, o que representa hoje ser "bela, recatada e do lar"? É ruim ser assim? Primeiramente, já deixo bem claro que não há nada de errado em ser bela, recatada e do lar. Se (e somente se) isso for uma opção da mulher. Cada uma deve ser aquilo que quiser e quem não sabe o que quer, que tenha a liberdade de descobrir. E se não quiser ser nada, tudo bem também. Porém, o significado de ser "bela, recatada e do lar" no contexto da revista Veja, é muito profundo e profere um modelo de sociedade. Remete ao modelo patriarcal de sociedade em que o homem é o provedor da família enquanto a mulher cuida da casa e dos filhos, recatada e resignada em sua posição inferior, sem direito a desejos e vontades, mantendo sua beleza para que o marido possa lhe usar. Uma mulher que tem valor, que é para casar, que faz um homem ser um homem de sorte.

Essa definição lhe parece estranha? Muito antiga? Todo mundo já falou sobre isso, e daí? Bom, eu moro em uma capital de um dos Estados considerado mais politizados de nosso imenso país. Se eu olhar com cuidado para minha cidade, para minha vizinhança, para minha família, consigo ver presente esse modelo de mulher "bela, recatada e do lar", arcaico, patriarcal, que aprisiona suas mulheres em casa no cuidado dos filhos e dos afazeres domésticos. Modelo esse defendido e mantido por mulheres e homens, passando de geração para geração. Modelo esse que, aos poucos, vamos rompendo, trazendo novas possibilidades, novas vontades, novos caminhos. Modelo esse muito presente em lugares onde a informação e a política ainda caminham a passos lentos e pequenos, lugares onde ainda há um patriarcado muito forte, lugares que não enxergamos pois não estão no facebook ou no instagram. Lugares onde as mulheres não se manifestam pois isso não faz sentido na vida delas, pois elas estão bem casadas, em suas casas, cuidando de seus filhos enquanto seus maridos trabalham e frequentam bordéis (sim, gente, isso acontece!). Lugares esses que elegem deputados que, ao votar sobre o impeachment de nossa presidente, clamam pela família e por Deus, pela moral, pela ética e pelos bons costumes. 

Pensar a política em nosso país, ser contra ou a favor do impeachment, mais do que uma questão puramente política e econômica, é também uma questão social, pois todo o projeto político de governo traz consigo um modelo de sociedade para a qual se vai governar. Para mim, está bem claro. Naquele domingo, votou-se a favor do impeachment de uma presidente mulher, a primeira de nosso país (e isso é importante sim!), que militou contra a ditadura militar, que foi presa e torturada, que teve seus direitos políticos cassados e que sobreviveu a tudo isso. Na segunda-feira, após aprovação do impeachment, somos apresentados ao modelo de família brasileira ideal e perfeita, onde os homens mandam e as mulheres obedecem. Onde os homens governam, enquanto as mulheres lavam a louça e depilam suas pernas. Onde mulher boa, é mulher "do lar". E isso basta.

Nesses termos, você pode até achar que é exagero de minha parte, mas acredito que se pensarmos a base social de nosso país, chegaremos a este modelo ideal de família. Veremos com clareza, que existem muito mais Bolsonaros por aí do que imaginamos. Perceberemos que não é impossível (talvez nem difícil) o retorno dos valores tradicionais como ideal de sociedade brasileira. 

Não tenho nada contra mulheres que não trabalham e ficam em casa cuidando de seus filhos e dos afazeres domésticos, enquanto seus maridos trabalham. Acredito que este é apenas um dos diversos modos de se constituir uma família. Este é apenas um dos diversos modos de se viver em nossa sociedade. Acredito que todas as mulheres são belas, que apenas algumas são recatadas e que ser "do lar" deva ser uma opção e não a única. Acredito que mulheres que trabalham têm valor, que mulheres que não tem filhos têm valor, que mulheres que gostam de mulheres têm valor e que cada mulher decide o que é melhor para o seu corpo. Que as mulheres de todos os nossos "brasis" sejam representadas, ouvidas e, acima de tudo, respeitadas. Seja de shortinho ou de vestido abaixo do joelho, seja vadia ou recatada, seja trabalhando ou ficando em casa. Que ecoem e reverberem os nossos gritos. Que não nos calemos. Ainda há muito caminho para caminhar.



quinta-feira, 17 de março de 2016

Em qual lado você está?

Imagine você morar em um país onde o cafezinho custe 50 centavos e não 3 reais. Imagine você morar em um país onde a passagem de ônibus é 2 reais e estudante é isento. Imagine você morar em um país com preços baixos para alimentação e itens básicos de consumo. Imagine você morar em um país com segurança dia e noite, podendo andar pelas ruas tranquilamente as 10 da manhã ou as 2 da madrugada. Imagine você morar em um país onde a educação de melhor qualidade é a educação pública. Um país onde não hajam filas nos hospitais. Um país sem miséria, sem pobreza. Um país sem corrupção. Um país em que quem rouba, seja dos cofres públicos, seja de entidades privadas, seja uma bolsa no meio da multidão, tenha a pena devida e justa. Já se imaginou? É esse país que queremos?

Existe, no Brasil, uma linha muito tênue entre público e privado, entre pessoas e partidos, entre legalidade e ética. Ao mesmo tempo que existem lados opostos tão radicais, o meio campo está difuso e confuso. E muitas coisas acontecem entre uma ponta e outra. Coisas possíveis e coisas inacreditáveis. Vivemos hoje um momento histórico e cada um quer escrever a história do seu jeito. Cada um quer mudar o rumo da história do seu jeito. Cada um quer defender o seu rabo.

Este tempo que vivemos hoje pede atenção, calma e análise. Mas o que vemos são pessoas desnorteadas querendo tomar um lado da mesma moeda. Isso não me parece certo. Tudo está acontecendo em uma velocidade tão rápida que não temos a pausa necessária à reflexão. Precisamos (e muito) refletir. Caso contrário, somos tomados por um fervor que nos torna violentos, agressivos, radicais, acirrados. A velocidade é característica de nosso tempo. Mas ela também pode nos engolir.

Estamos fartos de corrupção. Estamos fartos dessa política podre que visa o enriquecimento dos partidos aos invés de um governo que, de fato, governe em prol da nossa sociedade. Estamos fartos de pagar 5 reais por 3 bananas. Chegamos ao ponto da saturação. Por isso a revolta, por isso a indignação, por isso o povo vai às ruas. Porém, não podemos deixar de considerar que nós, brasileiros, majoritariamente, só pensamos em política quando falamos em eleições. Ou quando somos excitados por notícias de corrupção. Nós não exercemos nossa cidadania no dia a dia. Aplicamos os princípios da moralidade ao outro e não aplicamos a nós mesmos. 

Não aprendemos a ser cidadãos e sim consumidores. E é como consumidores que nos voltamos contra o governo. Não queremos um cafezinho que custe 50 centavos, queremos ter poder aquisitivo para pagar os 3 reais do café. Não queremos SUS, queremos poder ter plano de saúde. Não queremos escolas públicas, queremos ganhar o suficiente para poder pagar uma escola particular. Não queremos andar na rua as 2 da madrugada com segurança, queremos ter dinheiro para comprar um carro maravilhoso e caro para não precisar andar na rua de madrugada. Queremos comprar e consumir e não melhorias nos serviços públicos. E é desta forma que lidamos com o governo, com os políticos, com o discurso do "pago meus impostos". Sendo que a cidadania é muito mais, é muito maior. A cidadania é cotidiana. Criticamos os políticos e governantes por fraudes e desvios, mas tudo bem pegar canetas e pacotes de folhas do trabalho e levar pra casa para uso pessoal. Criticamos a posse de Lula como ministro, mas tudo bem em usar o cargo ou influência para conseguir informações privilegiadas. Criticamos a ilegalidade dos atos dos governos, mas temos todo o direito que gritar e xingar se perdemos o prazo legal para requerimento de qualquer coisa. Criticamos as manobras governamentais e políticas que vemos todos os dias na mídia, mas tudo bem furar a fila gigantesca do busão. Não somos cidadãos. Não sabemos ser.

Lula como ministro está feito. É legal, ou seja, está amparado pela lei. Cargos de confiança são de livre nomeação e exoneração. Está na lei. Se a presidente está impedida de assumir o cargo, seja por renúncia, seja por impeachment, quem assume é o vice. Está na lei também. A pergunta que devemos fazer é mais profunda: é ÉTICO Lula ser ministro em um momento político como esse? É MORAL a Dilma nomeá-lo depois de tantas denúncias? Lei e ética são coisas distintas. Falta ética em nosso governo. Falta ética em nossas vidas.

Se eu aprendi algo com a filosofia que me valeu para a vida foi a análise e a reflexão. Principalmente em tempos fervorosos como esses que vivemos hoje. Precisamos parar para pensar, refletir, respirar fundo e nos perguntarmos: qual o Brasil que queremos? O que você está disposto a fazer para tornar nosso país melhor?




terça-feira, 8 de março de 2016

Sobre mulheres e rosas

Hoje pela manhã ouvi que hoje é o dia das mulheres ganharem rosas pelo seu dia. E, ao longo do dia, vi diversas mulheres segurando orgulhosas suas rosas lindas, perfeitas e sem espinhos. Fiquei pensando nas rosas sem espinhos. Afinal, acredito que os espinhos devem ter alguma utilidade, não é mesmo?

Acredito que nós mulheres somos como as rosas. Nascemos cheias de espinhos que vamos perdendo e cortando ao longo de nossa vida. Nascemos livres e vamos nos aprisionando com o passar do tempo. A sociedade tenta [o tempo todo] nos moldar como perfeitas rosas sem espinhos e vamos tentando fugir das podas para manter nossos espinhos. Ou pelo menos algum deles.

Não pode ser gorda, não pode ser muito magra. Não pode ser muito alta nem muito baixa. Não pode falar demais, mas também não pode ser calada. Não pode cabelo muito curto nem muito comprido. Bem capaz ter cabelo crespo! Bom mesmo é que seja liso. Não pode usar shortinho, mas [por favor] mostre seus peitos. E balance também. Use roupas apertadas que mostrem as curvas. Afinal, mulheres tem que ter curvas. Não pode abortar, melhor mesmo é ser mãe solteira, te rala. Ninguém mandou não usar camisinha ou não tomar pílula. Se não trabalha, é escorada. Mulheres não sabem dirigir. Mulheres devem pilotar o fogão. Mulheres sempre sabem porquê estão apanhando. Mulheres tem medo de baratas. Mulheres precisam ser submissas. Meninas de 10 anos já são capazes de seduzir. Se sabe cozinhar, já pode casar. Se não cozinha, que pelo menos cuide da casa, seja uma mãe zelosa e boa esposa. Se trabalha, é muito independente. Se está de saia curta, merece ser estuprada. Se vai de vestido para o trabalho, pode ser assediada. Se denuncia assédio, é mentirosa. Se está na rua à noite, não se respeita. Se transa na primeira noite, é vagabunda. Se dá opinião, está se expondo. Se beija muito na balada, é puta. Se transa porque está com vontade, é vadia. Se não ama ser mãe, é vadia. Se discute política, é vadia.  Se defende os direitos da mulher, é vadia. Se fala sobre machismo, é vadia. Se é homossexual, é vadia. 

Ao longo de nossa vida toda sofremos com nosso corpo, com nossas atitudes, com nossas escolhas, com nosso jeito de ser. Sofremos a com violência, com o medo, com o machismo, com os falsos moralistas, com as regras e normas sociais. Sofremos caladas dia a dia. Sofremos sem saber o que fazer. Sofremos sozinhas.

Entendo que o Dia da Mulher é um momento para pensarmos o papel da mulher na sociedade, no mercado de trabalho, nas relações institucionais, na política, na escola, no lar, na criação dos filhos... Pensarmos a posição feminina em todos os lugares que ocupamos. Pensarmos, discutirmos e construirmos. Pensarmos em termos de justiça, de igualdade de salários e condições de vida. De pensarmos as nossas escolhas e nossos direitos. De respeitarmos nossos corpos, de escolhermos de que maneira queremos viver. 

Nada contra as rosas lindas e sem espinhos. Acredito ser este um gesto de carinho e reconhecimento. Mas, carinho por quem? Reconhecimento pelo quê?

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Não é pelo shortinho

O que mais me impressiona no ser humano é sua capacidade de dissimular, de distorcer coisas, opiniões, fatos, ideias, campanhas, manifestações... E, principalmente, me impressiona a capacidade de simplificação de coisas complexas, não dando as coisas complexas a sua devida importância. 

Existe um abaixo-assinado em que meninas de 13 a 17 anos estão exigindo poder usar short na escola durante o verão. A reivindicação é legítima, pois vivemos em uma cidade muito quente, sentimos muito calor e nós mulheres saímos na rua assim, de shortinho mesmo. Porém, em meio a todas as discussões que estão sendo levantadas, eu (ainda) fico pasma com a quantidade de pessoas julgando essas meninas, ao invés de apoiá-las. Pasmo (ainda) com a quantidade de pessoas que levam para o lado da erotização dos corpos. Pasmo (ainda) com os xingamentos sujos e nojentos. Pasmo (ainda) com a naturalidade que as pessoas julgam e condenam os outros. Como diz meu pai "Um diz 'mata' e o outro diz 'enforca!'". É uma caçada às bruxas do século XXI.

Vivemos em uma sociedade machista. Uma sociedade que oprime as mulheres. Que chama de vadia aquelas que lutam por seus direitos e não se calam. Uma sociedade que não nos permite abortar com saúde. Uma sociedade que, nas palavras de Foucault, quer docilizar nossos corpos. Diante disso, nós vadias não nos calamos, gritamos, clamamos por nossos direitos, por nossos corpos, por nossa liberdade, por nossas vontades. 

Só que essa busca incomoda, os gritos ensurdecem, nosso clamor irrita, nossa chama libertária queima. Incomodamos homens e mulheres machistas que não querem uma sociedade mais igualitária e justa, que não conseguem ver o espaço da mulher como um espaço democrático, de luta, de direitos, de individualidades, de liberdades, de saberes, de querer, de conquistas. Irritamos todos aqueles que se sentem ameaçados pela nossa liberdade, pela nossa capacidade de conquistas, pela nossa inteligência, pelas nossas vontades. Incomodamos aqueles que estão acomodados em sua posição de poder. Afinal de contas, é disso que se trata: relações de poder.

Voltando às gurias do abaixo-assinado. Penso que as invejo. Eu tenho 29 anos e só fui pensar na questão da mulher com mais de 20. Me incluí no discurso feminista há menos de 5 anos. Essas meninas com 13, 15 anos já têm claro seu espaço de lutas. E dentro da escola! Escola: o lugar que vamos desde muito cedo para nos desenvolvermos, crescermos, sermos cidadãos. Escola: o lugar onde somos educados a pensar e viver. Escola: o nosso primeiro lugar de lutas. As invejo porque eu gostaria de ter estudado em uma escola que me provocasse a vontade de lutar pelo meu espaço social, pelo meu corpo, pelo meu ser. Eu queria ter estudado em uma escola que me desse aulas de matemática em quantidade equivalente as aulas de filosofia. Eu queria ter estudado em uma escola que me fizesse perceber que o corpo é meu, que eu faço com ele o que eu quiser, inclusive um abaixo-assinado para usar short nesse calor massacrante que vivemos nos verões porto-alegrenses.

Essas meninas desta escola colocam mais uma vez o machismo em discussão. E discutir o machismo incomoda, pois não conseguimos nos dar conta de como ele está enraizado em nossas práticas sociais. O machismo cresce e se fortalece em nossos pensamentos, mesmo quando não queremos. E quando falamos o óbvio, somos taxadas de "exageradas", "histéricas", "frescas", ou como diz a Fernanda Torres, "vitimizamos o discurso feminista". Ah, tenha dó!

Precisamos virar a página e avançar. Queremos a liberdade e a segurança de ir e vir. Queremos ser gordas ou magras, altas ou baixas, loiras ou morenas. Queremos ser livres para escolhermos ter filhos ou não. Queremos usar salto ou chinelo, queremos usar calça ou short. Queremos ser nós mesmas, sem padrões e vontades alheias aquilo que reside em nós. Queremos ser ouvidas e respeitadas. Queremos ser mulheres em nossa plenitude feminina. Queremos apenas respeito para sermos aquilo que quisermos ser.