sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Não é pelo shortinho

O que mais me impressiona no ser humano é sua capacidade de dissimular, de distorcer coisas, opiniões, fatos, ideias, campanhas, manifestações... E, principalmente, me impressiona a capacidade de simplificação de coisas complexas, não dando as coisas complexas a sua devida importância. 

Existe um abaixo-assinado em que meninas de 13 a 17 anos estão exigindo poder usar short na escola durante o verão. A reivindicação é legítima, pois vivemos em uma cidade muito quente, sentimos muito calor e nós mulheres saímos na rua assim, de shortinho mesmo. Porém, em meio a todas as discussões que estão sendo levantadas, eu (ainda) fico pasma com a quantidade de pessoas julgando essas meninas, ao invés de apoiá-las. Pasmo (ainda) com a quantidade de pessoas que levam para o lado da erotização dos corpos. Pasmo (ainda) com os xingamentos sujos e nojentos. Pasmo (ainda) com a naturalidade que as pessoas julgam e condenam os outros. Como diz meu pai "Um diz 'mata' e o outro diz 'enforca!'". É uma caçada às bruxas do século XXI.

Vivemos em uma sociedade machista. Uma sociedade que oprime as mulheres. Que chama de vadia aquelas que lutam por seus direitos e não se calam. Uma sociedade que não nos permite abortar com saúde. Uma sociedade que, nas palavras de Foucault, quer docilizar nossos corpos. Diante disso, nós vadias não nos calamos, gritamos, clamamos por nossos direitos, por nossos corpos, por nossa liberdade, por nossas vontades. 

Só que essa busca incomoda, os gritos ensurdecem, nosso clamor irrita, nossa chama libertária queima. Incomodamos homens e mulheres machistas que não querem uma sociedade mais igualitária e justa, que não conseguem ver o espaço da mulher como um espaço democrático, de luta, de direitos, de individualidades, de liberdades, de saberes, de querer, de conquistas. Irritamos todos aqueles que se sentem ameaçados pela nossa liberdade, pela nossa capacidade de conquistas, pela nossa inteligência, pelas nossas vontades. Incomodamos aqueles que estão acomodados em sua posição de poder. Afinal de contas, é disso que se trata: relações de poder.

Voltando às gurias do abaixo-assinado. Penso que as invejo. Eu tenho 29 anos e só fui pensar na questão da mulher com mais de 20. Me incluí no discurso feminista há menos de 5 anos. Essas meninas com 13, 15 anos já têm claro seu espaço de lutas. E dentro da escola! Escola: o lugar que vamos desde muito cedo para nos desenvolvermos, crescermos, sermos cidadãos. Escola: o lugar onde somos educados a pensar e viver. Escola: o nosso primeiro lugar de lutas. As invejo porque eu gostaria de ter estudado em uma escola que me provocasse a vontade de lutar pelo meu espaço social, pelo meu corpo, pelo meu ser. Eu queria ter estudado em uma escola que me desse aulas de matemática em quantidade equivalente as aulas de filosofia. Eu queria ter estudado em uma escola que me fizesse perceber que o corpo é meu, que eu faço com ele o que eu quiser, inclusive um abaixo-assinado para usar short nesse calor massacrante que vivemos nos verões porto-alegrenses.

Essas meninas desta escola colocam mais uma vez o machismo em discussão. E discutir o machismo incomoda, pois não conseguimos nos dar conta de como ele está enraizado em nossas práticas sociais. O machismo cresce e se fortalece em nossos pensamentos, mesmo quando não queremos. E quando falamos o óbvio, somos taxadas de "exageradas", "histéricas", "frescas", ou como diz a Fernanda Torres, "vitimizamos o discurso feminista". Ah, tenha dó!

Precisamos virar a página e avançar. Queremos a liberdade e a segurança de ir e vir. Queremos ser gordas ou magras, altas ou baixas, loiras ou morenas. Queremos ser livres para escolhermos ter filhos ou não. Queremos usar salto ou chinelo, queremos usar calça ou short. Queremos ser nós mesmas, sem padrões e vontades alheias aquilo que reside em nós. Queremos ser ouvidas e respeitadas. Queremos ser mulheres em nossa plenitude feminina. Queremos apenas respeito para sermos aquilo que quisermos ser.