terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Eu tentei

Acho que desde nova eu já sabia que era diferente. Desde nova já me percebia com pensamentos incomuns, querendo fugir do pensar mediano, midiático, senso comum. Desde nova eu não me encaixava nos grupos de pessoas populares no colégio. E eu nem queria. Muito menos me importava. Eu gostava de ser eu, mas não podia dizer isso para todos, pois eu era diferente.

Eu sempre fui gordinha. Sempre. Por muitos anos eu tentei ser magra e emagrecer a todo custo. Por muitos anos eu acreditei que só seria bonita, aceita, rodeada de amigos e feliz (sim!) se fosse magra. Por muito tempo eu realmente achei que se eu fosse magra o mundo se abriria para mim e eu viveria magicamente feliz, como nos filmes da Disney. Ser gorda era meu desafio e eu devia superá-lo. E eu tentei. Tentei muito. Muito mesmo. As vezes acho que ainda tento, mas não fico mais me punindo. 

Eu tentei inúmeras vezes entrar numa calça jeans 36 que empina a bunda e te deixa super gostosa. Eu tentei entrar naquelas blusas coladas, que espremem teus órgãos só pra empinar os peitos e definir a cintura. E eu nem tenho cintura! Eu tentei esconder os pneus, não balançar tanto os braços, fazer todos os truques que as revistas mandam, usar calças justas e blusas largas, colocar cinto mais acima da cintura, comer só laranja, tomar suco de berinjela. Dietas das mais loucas: da lua, do sol, do abacaxi, da sopa, da maçã, todas as frutas, não comer carne, comer só carne. Eu fiz. Li livros e mais livros de dietas. Me enganava toda vez que comprava um tênis novo, pensando "agora eu começo a academia". Só me iludi. E fui iludida também.

Sempre corri atrás de uma ideia de felicidade que me arrebatava todos os dias. Novelas, filmes, seriados, livros, músicas, revistas: todos me diziam "seja magra que será feliz". Um mantra fácil de decorar e impossível de seguir. Por quê? Porque não sou magra, minha estrutura não é magra, meus prazeres não são magros, minha felicidade não é magra. 

Demorei bastante tempo para me descobrir não-magra e muito mais tempo ainda para me aceitar assim. Muito tempo até perceber que como certinho, mas sou sedentária. Muito tempo até desencanar que eu prefiro sim ler um livro do que puxar ferro na academia. Muito tempo até entender que tenho fome de lasanha, batata frita, pizza e não fome de alface com rúcula. Muito tempo para equilibrar a mente, acalmar o coração, chutar o balde e ser feliz. Feliz AND gordinha.

Demorei mais tempo ainda para perceber que eu tenho amigos. E já tinha lá naquela época do colégio, mesmo sendo "diferente", gordinha e tímida. Demorei muito tempo para perceber que as pessoas poderiam gostar de mim pelo que eu sou e também pelo meu corpo. Pois assim como tem gente que gosta do corpo magro, tem quem goste do corpo gordo.

Hoje já consigo diferenciar magreza de bulimia (que eu também tive). Consigo diferenciar magreza e comer bem. Consigo diferenciar magreza de saúde. E comer bem e saúde eu tenho bastante! Só sou gorda. Ou gordinha, como alguns preferem chamar. Enfim, não sou magra. Nunca serei. E tudo bem. A vida segue.


terça-feira, 18 de agosto de 2015

Batom vermelho

Domingo, 8 horas da manhã, Porto Alegre. Faz frio e o tempo está nublado. Pego o primeiro ônibus que passa. A cobradora é simpática, usa um batom vermelho vibrante e tem as unhas pintadas com flores. Eu estava acordando, mal tinha engolido um café. Aquele visual colorido logo cedo me chocou.

O ônibus estava vazio, tinham umas 5 pessoas. Eu sentei no fundo, na janela. Queria dormir um pouco até chegar ao centro da cidade. Escorei minha cabeça na janela, fechei os olhos, cruzei os braços, me aconheguei no banco.

- Hoje vai ter manifestação. Coisa mais ridícula isso!, disse a cobradora.

"Porra, tia, política a essa hora?", pensei. Mas resolvi escutar. Afinal, uma das minhas grandes paixões na filosofia é a teoria política. E a dona seguiu seu discurso:

- Querem tirar a presidente pra colocar um pior. Eu não sou do PT, nem gosto do PT, mas também não sou boba, né? Eu penso as vezes. Imagina se o PSDB tivesse eleito o presidente? O Brasil todo iria estar como o nosso Estado. Quebrado, falido, parcelando salário. Coisa horrível parcelar salário. Por isso eu não sou funcionária pública. Imagina, ficar na mão de políticos pra receber teu salário, pagar tuas contas.

E assim ela seguiu seu discurso. Falou sobre política até o ônibus chegar ao centro. Desci.

Enquanto caminhava pelas ruas desertas e frias do centro, fiquei pensando naquela mulher. Em seu batom vermelho e suas palavras. Ela não me parecia ser muito letrada. Falava de maneira despojada, cheia de gírias. Não devia ter muito estudo. Poderia facilmente proferir o discurso da grande massa, insatisfeita com o governo, que absorve aquilo que assiste na tevê e reproduz sem o pensamento crítico. Mas não. Ela, ali, naquela hora, para aquelas sonolentas pessoas, deu a opinião sincera dela. Quem dera que mais pessoas fossem assim. Independente de quem vota, o que acha certo ou errado para o nosso país. Mas que mais pessoas pensassem e não só reproduzissem.

Em tempos de instabilidade e insatisfação, precisamos de mais senhoras com batons vermelhos e unhas pintadas com flores para nos fazer acordar.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

Aguardando a próxima

Estamos acostumados, em nosso país, a atacar os problemas e não as causas. Isso é histórico, mas é possível mudar. Quando estamos realmente motivados, indignados, saímos às ruas e protestamos, manifestamos, mostramos nossa voz. O problema é que só saímos pra rua quando somos motivados por forças externas, com intenções além. Então, não temos voz, somos papagaios. Somente reproduzimos discursos.

Somos constantemente bombardeados com notícias e comentários sobre a situação do país. A mídia tem o péssimo costume de colocar pessoas contra pessoas. Coloca os grevistas contra a população, recorta as informações, cria manchetes de meias frases. E caímos nessa. Infelizmente. 

Nossa educação não é boa o suficiente para que possamos pensar fora da caixa. Nossa pátria educadora não nos educa. Nossos políticos governam em interesse próprio. Nós nos calamos. Culpamos uma pessoa, por um contexto que é geral. Falamos em corrupção como se fôssemos incorruptíveis. Nos tornamos escravos de nossa própria ignorância.


A Câmara dos Deputados rejeitou e aprovou a mesma proposta de redução da maioridade penal em menos de 24 horas. Eu, por exemplo, não conseguiria fazer minha mãe mudar de ideia em tão pouco tempo. Mas mãe é mãe e política é... enfim. Está aprovada a redução da maioridade penal. Lamentável, lastimável. 


O que torna este cenário mais triste é ver que as pessoas concordam com isso. Estamos tão cansados de pensar, de levar as coisas a sério, que aceitamos qualquer argumento que seja egoísta. Pois sim, reduzir a maioridade penal é um ato egoísta. É pensar em si e não na sociedade como um todo. É, como sempre, atacar a consequência de um problema muito maior e muito anterior. E quem faz política sabe disso, pois foi eleito por isso. Quem faz política sabe falar, tem o domínio do discurso. Fala com clareza e parece ter sempre razão. Usa situações cotidianas, que todos vivemos, maximiza aquilo ao absurdo e te seduz. Pronto, você já está acreditando em tudo o que te falam sem questionar.

O que não se fala é que reduzir a maioridade penal abre precedentes para que se reduza novamente. Menores de idade são usados para cometer crimes, pois não recebem uma pena e sim uma punição sócio-educativa. Isso, infelizmente, não vai mudar. Apenas estamos sinalizando aos criminosos que agora eles terão que usar menores de 16 anos para isso.

O que não se fala é que reduzir a maioridade penal não vai reduzir a violência. O que não se fala é que reduzir a maioridade penal só vai aumentar a população carcerária do país. Vai aumentar os custos do Estado com apenados. Não vai acabar com a pobreza, com a miséria, com os problemas de educação. Não vai diminuir os problemas estruturais sócio-econômicos brasileiros. Você não vai sair à noite sentindo-se seguro. Sua sensação de insegurança não vai diminuir. Talvez aumente. Pois aquele menino de 12 anos, vindo em sua direção não é só mais um menino de 12 anos vindo em sua direção. Ele é o novo menino de 16 anos. 

Nosso país não possui uma política penal eficiente. Aliás, nem sabemos o que é isso. Não sabemos para que serve uma penitenciária, uma casa de detenção, uma delegacia. Não sabemos nada, mas queremos opinar em tudo. Achamos muito certo que um adolescente de 16 anos seja julgado como maior de idade, pois "ele sabia o que estava fazendo". Sim, sabia. Mas e daí? Vamos jogá-lo numa cela com mais 20 pessoas para ele sair dali pior? Você realmente acredita que farão presídios especiais para jovens de 16 a 18 anos? Sério mesmo? (muitos risos) ... (gargalhadas).

Aguardando a próxima redução de maioridade penal.


segunda-feira, 30 de março de 2015

Aborto: legalize já!

O aborto deve ser legalizado. E já! A proibição dessa prática é só mais uma das milhares de ferramentas que o Estado utiliza para corroborar o machismo em nossa sociedade. As estatísticas das taxas de mortalidade não convencem, a fragilidade de uma gestação não desejada não convence, os argumentos contra a Igreja não convencem. O que convenceria, então?

Acredito que a voz das mulheres. A nossa voz. Precisamos falar sobre isso. Pois, o que está em jogo, acima de tudo, é uma vontade. Uma vontade que não está nas estatísticas, uma vontade que não está no outro, uma vontade que está em mim, em ti, em cada uma de nós, que não pode ser mensurada, nem vivida por outro. Essa vontade é extremamente íntima e particular e não deve ser coibida por nenhum legislador. 

É direito meu e de qualquer pessoa fazer o que quiser com seu próprio corpo, certo? Então, por que proibir o aborto? Por que fazer com que uma mulher tenha um filho que não deseja? Por que não dar a ela, a nós, a liberdade plena de nossas escolhas?

É claro, você poderá citar todos aqueles argumentos clássicos, tais como, "por que ela não se preveniu?", ou então "ela seria uma assassina, pois é uma vida ali", e outros mais que não respeitam a única pessoa interessada: a gestante.

Por que uma mulher não se previne? Ora, ela deve fazer isso sozinha? Por que o homem que transou com ela também não se preveniu? A camisinha, por exemplo, além de um excelente método contraceptivo, previne ainda contra DSTs, sabia? E o anticoncepcional? Por que ela não toma aquela bendita pílula?

Nossa sociedade acostumou-se a colocar sob responsabilidade da mulher a prevenção e cuidados nas relações sexuais, o uso ou não de camisinha, tomar ou não a pílula. Nos acostumamos a julgar as mulheres desprevenidas e descuidadas, não olhando para o parceiro dela.

Por que uma mulher deve matar aquele ser humano que está gerando? Isso a torna uma assassina? Ela não se importa com a vida? Por que ela não gera essa criança e depois dá para a adoção?

Primeiramente, adotar uma criança é um gesto lindo. Porém, basta olharmos com maior cuidado e buscarmos informações que iremos perceber que é extremamente burocrático no Brasil. Além disso, existem muitas crianças que não conseguem ser adotadas, pois já são "grandinhas" (leia-se "não são bebês"), que vivem uma vida inteira em orfanatos aguardando um lar e acolhimento, que nunca chegam. É certo colocar crianças nessas condições? Não.

Em segundo lugar, por que uma mulher que aborta seria uma assassina? Por que ela estaria matando um ser humano? Você já se informou direito sobre isso? E mais, por que essa mulher se importaria com essa vida se ela não a quer? Por que essa mulher deve ver seu corpo sofrer transformações pelas quais ela não quer passar só para gerar essa criança? Existem mulheres que relatam a experiência da gestação como horrível e nada encantadora, como os comerciais de margarina nos vendem. 

Ainda assim, defender o aborto não significa não defender a vida. Significa defender o meu corpo, a minha vontade e a minha escolha, a minha vida. Toda mulher tem o direito de delegar sobre si mesma, de decidir o que é melhor para si, incluindo o de ter ou não um filho.

A legalização do aborto não implica em aumentos estatísticos de mulheres abortando. Implica em dar condições sanitárias e humanas para que as mulheres possam realizar esse procedimento com segurança, sem correr riscos de contrair infecções. Significa dar voz àquelas mulheres marginalizadas por suas escolhas. Significa olhar para mulher, dar escolha, autonomia e respeito ao corpo.

Não somos obrigadas a ser mães, não somos obrigadas a ouvir é indigno abortar, não somos obrigadas a ter uma gestação indesejada, não somos obrigadas a viver aquilo que não queremos.

sexta-feira, 13 de março de 2015

A massificação da crítica

Dia 15 não vou pra rua. Até poderia, mas não vou. E isso não significa que eu esteja satisfeita com o governo do PT, nem significa que sou a favor da corrupção, nem significa que eu esteja vivendo bem, nem significa que estou pagando as contas e que acho justo aquilo que pago de impostos. Também não significa que sou petralha, que quero viver em Cuba ou na Bolívia ou na Venezuela. Não mesmo. 

Me permito criticar em quem votei e em quem não votei. Não sou partidária, mas sou política. Sou de esquerda, mas não sou petista. Ser de esquerda é muito maior que um partido. É seguir um modo de ver e viver a vida que não seja voltada para a economia, para o livre mercado. É alguém que pensa, vê e vive o mundo de forma mais humana, mais justa, mais social. Que quer políticas públicas que garantam o respeito e a dignidade da sociedade.

Dito isso, eu realmente penso que nosso país vai mal. Muito mal. As coisas estão todas erradas. Tá foda viver. Tá foda trabalhar oito horas por dia e ver o salário não servir para muita coisa. Vemos os preços de tudo aumentar, a conta de luz subir 50%, a passagem de ônibus ficar absurdamente alta, o governo cortar gastos com educação e não termos aumento de salário nem ganho real.

O brasileiro perdeu poder de compra. Não conseguimos consumir. Mal compramos o básico, os aumentos são absurdos. A economia vai mal, o país não cresce. Junto a tudo isso, os esquemas de corrupção, os roubos, os desvios de milhões e, o pior, a impunidade. Cresce a nossa indignação e aquela vontade de fazer justiça. Cenário perfeito para aparecerem os manifestantes e suas manifestações.

Eu não sou PT, não sou pró-Dilma, mas também não acho que um impeachment vai resolver os problemas do Brasil. Somos minimamente politizados e ainda reproduzimos velhos discursos. Todos criticam, todos discordam, todos têm uma opinião. Todos vão as ruas, todos gritam, todos pedem. Há autonomia. Mas a autonomia não é autônoma. Há voz nas ruas. Mas essa voz só repete. Essa voz não pensa. Essa voz está massificada. Essa voz virou uma esponja que absorve discursos raivosos e o reproduz. Reproduz sem pensar, sem julgamento, sem crítica. É por isso que há raiva.

Não sou contra manifestações. É um direito nosso. Mas os caminhos que rumam e marcham os raivosos vão de encontro a tudo que acredito. Utilizam-se da liberdade para manifestar-se pedindo para não mais tê-la. É ambíguo.  É contraditório. É um discurso crítico sem a crítica, sem profundidade.

As coisas estão ruins? Sim. Mas vamos pensar (um pouco) antes de agir. Se vamos para as ruas, vamos saber o que pedir. Não marchem pelo retrocesso. Marchem por avanços, por melhorias, por justiça, pelo fim da impunidade. Manifestem-se para que a nossa presidenta faça um bom governo, não para que ela saia. Pode vir alguém pior. Muito pior. E sempre pode piorar.