quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

2016 ainda não acabou

Dia desses apareceu um vídeo de retrospectiva do ano no meu facebook. Assisti. Pude constatar que este ano foi, e continua sendo, um ano marcado por lutas. Lutamos um ano todo e, me parece, que fomos vencidos pelo cansaço.

Assistimos o golpe travestido de impeachment e estamos sofrendo as consequências da maior cagada do Congresso Nacional. Estamos assistindo o desmonte do nosso Estado, a extinção de diversas fundações, a demissão em massa de servidores. Estamos assistindo os embates de transição de governo na prefeitura. Estamos assistindo uma reforma da previdência sem a anuência da população brasileira que será diretamente atingida. Estamos assistindo uma reforma do ensino médio que não irá melhorar os problemas educacionais de nosso país. Estamos assistindo o congelamento de investimentos em saúde e educação. Estamos assistindo nossos políticos envolvidos no maior escândalo de corrupção e roubalheira em nosso país. Estamos assistindo o crescimento da pobreza e do desemprego. Estamos assistindo a intolerância e a crescente violência. E 2016 ainda não acabou.

O Congresso Nacional deu o tom: não descansaram até tirar Dilma. O mais incrível de toda essa história é que Temer conseguiu se desvincular dela, como se fosse outra coisa que não seu vice, como se ele não tivesse feito parte da coligação eleita, com propostas e diretrizes de governo que elegeram ambos. E não para por aí. Depois do golpe, o presidente não se constrangeu nem um pouco em nos mandar trabalhar e não falar de crise ou ir para o exterior e falar abertamente que foi golpe mesmo! Além disso, não se importou muito com a opinião pública e meteu pressão para a aprovação de medidas econômicas que, além de favorecer aos empresários, tornará a vida dos brasileiros miserável. E não será a longo prazo, é logo ali, é aqui e agora. E ainda, deixa correr a bicho solto as ações do Congresso, legitimando um tipo de política que há tempos não se via no país, onde o interesse privado prevalece sobre o público. Penso que o mais ético nesse caso, já que nosso país está tão turbulento, seria antecipar as eleições de 2018 e deixar que o povo, que deveria (em tese) ser soberano em uma democracia, tivesse a oportunidade de novamente eleger um/a presidente. No entanto, estou aprendendo que ética é uma coisa presente apenas em livros e aulas de filosofia. Na prática, ser ético é um defeito, geralmente associado a xingamentos dos mais diversos. Pena!

Enquanto isso, nosso Estado é desmontado. Os gaúchos elegeram um governador que não apresentou propostas durante a campanha. Com um sorriso largo e cara de gringo bonachão, as pessoas acreditaram mesmo que ele faria um bom governo, que estabilizaria a economia do Estado. Mas, na prática, o gringo se mostrou mais perdido que cusco em tiroteio, provando ser um mau administrador da máquina pública, parcelando salários, extinguindo fundações e autarquias, presenteando diversas famílias com desemprego e desolação neste final de ano. Acredito que esta é apenas uma das milhares de possibilidades e atitudes de enfrentamento à crise. Não creio que esta tenha sido a melhor atitude, nem a mais correta. Com certeza, é a atitude mais sofrível para os trabalhadores, que estudaram muito para conseguir aprovação em um concurso público, que passaram pela ansiedade da nomeação e conseguiram atingir seu objetivo. A crise foi desculpa pra boi dormir, pois provavelmente a extinção das fundações já estava na pauta do governo. Se não houvesse crise, haveria outra desculpa. Ou se criaria uma, estilo "1984" de Orwell.

Por fim, temos PSDB a frente da prefeitura pelos próximos 4 anos. Um governo que já se chega de maneira tensa com o servidor, mostrando que não estará disposto a dialogar. Um governo que promete o novo, buscando modelos de governos já falidos em outras cidades e estados. Um governo que não tem pressa em anunciar à população quem será seu secretariado e como será sua gestão. Um governo que acusa de racista quem pergunta cadê os negros e as mulheres da gestão. Um governo que está sendo construído por homens, brancos, acadêmicos, ricos, todos top top top da balada, e com alto nível de formação (que, diga-se de passagem, é acessível a menos de 10% da população brasileira). 

Assim chegamos ao final desse ano sem fim cansados, exaustos, esgotados. Tinha enchido meus pulmões com ares de esperança para 2017, mas já o perdi. Se desenha um próximo ano difícil, truculento e com muitas lutas. Espero que, ao invés de assistir, que os brasileiros possam levantar a bundinha e ir pra rua, ainda que sem a camiseta da CBF. Pois, sinceramente, pode ficar bem pior.



Boas festas!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Vamos falar [de novo] sobre o aborto?

Nos últimos dias tivemos um grande avanço na questão do aborto, quando o STF descriminalizou um caso realizado com menos de 3 meses. Enquanto o assunto ainda é polêmica nacional, para aqueles que como eu defendem a liberdade de escolha da mulher, isso representa mais um passo para uma futura legalização do aborto. Destaco o incrível argumento utilizado pelo ministro Luís Roberto Barroso, que traz para a discussão um elemento fundamental para a análise deste cenário: a mulher! O ministro defende a autonomia da mulher, bem como sua integridade física e psíquica, incluindo na discussão os direitos sexuais da mulher e a igualdade de gênero. 

"Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não. (...) O direito à integridade psicofísica protege os indivíduos contra interferências indevidas e lesões aos seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher"¹, afirmou Barroso.

Diante deste cenário, creio que seja importante destacar alguns pontos relevantes:

1) Legalizar o aborto para quem?
A legalização do aborto se presta, principalmente, às mulheres pobres, marginalizadas, sem condições financeiras, que morrem todos os dias em decorrência de abortos mal feitos em clínicas clandestinas. Vivemos cegos para o que acontece dentro das vilas e favelas. Falamos em educação, quando muitas vezes as adolescentes pobres não sabem que podem pegar camisinha de graça no posto de saúde, por exemplo. Além disso, milhares de mulheres, independente da condição financeira, vivem relacionamentos abusivos. Não preciso lembrar que um relacionamento abusivo é também aquele onde a mulher não apanha, mas sofre violência psicológica e moral. Nestes relacionamentos abusivos, o não uso da camisinha representa o domínio do homem sobre a sua mulher. Então, imagine se essa mulher pedir para o companheiro usar a camisinha? Imagine ter um bebê nessas condições?

2) Legalizar o aborto é uma questão de saúde pública!
É uma triste realidade, mas todas conhecemos algum caso de amiga ou conhecida que tenha feito aborto. Todas conhecemos alguém que já fez um aborto clandestino! E isso é chocante! Ainda mais se pensarmos que essas mulheres poderiam ter morrido. Aliás, quantas morrem e não sabemos ou ficamos sabendo apenas por noticiários? Imagine se houvessem clínicas legalizadas, com vistoria e acompanhamento do Ministério da Saúde, ou que o próprio SUS pudesse realizar esse procedimento, com segurança e higiene? Pensando na saúde da mulher? 

3) Legalizar o aborto é colocar a mulher no centro da decisão:
Muitos argumentos contra o aborto colocam a vida do feto como principal fator para que não se realize um aborto. No entanto, um feto é, na verdade, uma potência de vida e não uma vida em si. Cabe lembrar que o sentido da vida é dado pelo meio, pelas trocas e pelas relações. Ou seja, uma mulher que quer abortar não tem ligação com esse feto, não deseja construir uma relação de cuidado e amor com ele. O amor entre mãe e bebê não é inato, é uma construção. Neste sentido, devemos pensar a vida que existe antes do feto: a mulher, a mãe, a gestante! É o corpo dela, a vida dela que está em jogo ali.

4) Quem vai cuidar dessa criança?
Não podemos tratar o aborto como uma questão rasa. Provavelmente essa mulher que está optando por um aborto está passando por um momento muito delicado e, quem sabe, até de desespero. Independente se ela sempre quis ser mãe ou não, a decisão do aborto, geralmente, é uma decisão radical. Geralmente aquela mulher pensa não apenas na vida que ela poderá gerar dentro de si, mas em que condições ela vai viver e criar essa criança. Devemos ter o cuidado de não achar que a forma como vivemos é a mais certa, nem crer que apenas as nossas escolhas estão corretas. Muitas mulheres passam fome, mal tem grana para se sustentar, são estupradas, violentadas e não tem acesso aos direitos mais básicos para viver com dignidade. Você teria um filho nessas condições?

5) Legalizar o aborto não quer dizer que vão aumentar os abortos realizados:
Assim como não quer dizer que todas as mulheres sairão correndo porta afora abortando. Quer dizer que todas teremos o direito de decidir sobre nossos corpos, sobre nossos desejos e sobre nossa vida! Que todas as mulheres que optarem por esse procedimento, que tenham segurança e que seja garantida a sua saúde. Saliento, mais uma vez, aborto é uma decisão radical, é uma violência ao corpo, mas uma decisão que deve ser respeitada. 


A saúde da mulher deve estar no topo, no centro da discussão. A vontade da mulher e a relação que ela estabelece com seu corpo deve ser respeitada. É contra o aborto? Não aborte! Mas que todas aquelas que desejam o fazer, que tenham o direito de decidir.

Isso sim é equidade :)



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¹http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/11/1836895-aborto-ate-o-terceiro-mes-nao-e-crime-decide-turma-do-supremo.shtml?cmpid=facefolha