Porto Alegre, 23 de julho, 8°C, céu com poucas nuvens, sol e vento
gelado cortante. A sala é pequena, algumas pessoas trabalhando, ar condicionado
ligado no máximo, mas sem dar conta do frio. As janelas batem forte devido ao
vento. Nono andar. Não há conversa, há uma música qualquer tocando ao fundo.
Algumas vezes toca o telefone, as pessoas atendem falando baixo, uma voz
arrastada que não quer sair. Dedos digitando, ruído das teclas. Algumas teclas
apanham, outras são tocadas com carinho. Não há sorrisos, há somente a mecânica
do trabalho aguardando de forma ansiosa o final do expediente para encarar o
frio e ir embora. É frio. É inverno.
Especialmente nessa tarde, ela se perdeu em pensamentos. Talvez o
silêncio atípico da sala, talvez o turbilhão de sentimentos que lhe inundam o
coração nos últimos meses. Talvez tudo isso. Talvez nada disso. Mas ela estava
silenciosa. Silenciosa, porém, inquieta.
Há poucos meses nada a impressionava, nada a abalava, nunca era
surpreendida. Vivia em seu mundo, pequeno e frio. No peito não havia um
coração, apenas uma pedra, maciça, forrada por gelo. Julgava-se inatingível.
Torcia o nariz para todos os tipos de sentimentos. Abraços eram recusados,
afagos eram desdenhados. Apaixonados pareciam-lhe idiotas.
Achava que era feliz assim, achava que isso era viver a vida.
Estava desprevenida o dia que foi atingida por um sorriso, talvez o
sorriso mais lindo que tenha visto. Ah, aquele sorriso! No momento que viu
aquele sorriso, que aqueles pequenos olhos brilharam para ela, naquele momento
ainda não sabia, mas uma pequena rachadura estava ocorrendo no seu peito. Como
se iludiu, como tentou ignorar tudo aquilo que sentia, como tentou se explicar
e se justificar por aquilo que sentia. Racionalizava cada ação, cada palavra,
cada gesto. Começou a prestar atenção nas letras das músicas que ouvia.
Percebeu que as letras faziam sentido. Pegava-se pensando no dono daquele lindo
sorriso no meio do dia. Sorria largamente toda vez que tinha notícias suas.
Tornou-se boba. Parou de racionalizar, parou de justificar e começou a
sentir. Percebeu que não tinha mais o controle das suas emoções e isso lhe dava
muito medo. Um medo absurdo, um embrulho no estômago, como mil borboletas
batendo suas asas ao mesmo tempo voando do seu umbigo até o peito. Porém,
quando via o dono daquele lindo sorriso, ficava sem chão, parecia que o mundo
ia explodir, mas ao mesmo tempo, tudo estava em sincronia, o tempo não passava,
ou passava rápido demais, ou perdia a noção do tempo.
Sempre achou que estava certa, se protegendo de seus sentimentos. Achou
errado. Seu pequeno gelo estava derretendo em seu peito. É inverno e frio em
Porto Alegre. Logo viria a chuva. Não sabia, mas já se encontrava apaixonada.
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